ORDEM NASCENTE

Textos poéticos e filosóficos sobre a ordem nascente
A ordem nascente é ainda elusiva e periclitante. São muitos os profetas apocalípticos que auguram o fim dos tempos, e assim alimentam o medo no ser humano, facto que não pode bem servir a humanidade. Mas há, sem dúvida, crescentes indícios, vestígios, sinais que auguram o fim de um tempo, o ruir das estruturas... MARIANA INVERNO

30 março 2005

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Ao nível da alma

Na complexa interacção das personalidades encontramos pistas valiosas para a nossa evolução, se soubermos ver para além do instante difícil do desencontro: aquele em que, por mais nobre e caloroso que seja o sentimento que une as pessoas, o conflito ameaça instalar-se e causar distanciamento entre as almas. Almas que, na busca umas das outras – através de aspectos fragmentados de si mesmas – buscam o bálsamo para a cura dos seus males por via do enredo das personalidades.

Há dias, alguém chamou a minha atenção para o facto de eu ser sempre uma pessoa muito cuidada, maquilhada, penteada, adornada (o que na realidade só sou por comparação com o desalinho e desarranjo que hoje em dia as gentes ostentam, como se de um troféu se tratasse).
Na opinião dessa pessoa, eu pareço pouco natural.

Fiquei a pensar, meio ressentida, como esse complemento da manifestação, que é a forma como nos apresentamos perante o mundo, resulta de vários factores de entre os quais há a destacar a imensa pressão que o mundo da moda e a tendência das massas para viver e funcionar em rebanho exercem sobre o indivíduo.
Na altura, estranhei a interpelação. Senti até tristeza pelo facto de a pessoa em questão me ser próxima e dizer não gostar (ou não sentir identidade) com o que a minha aparência física emite, apesar do elo profundo que sente com a minha alma. Depois, procurei distanciar-me do assunto em termos pessoais e cheguei a várias conclusões.
· Num diálogo, ninguém é “inocente”. Quem “ataca” e quem se “defende” procura justificar impulsos, teses pessoais, vulnerabilidades e fraquezas, cargas que a personalidade transporta e de que a alma busca libertar-se.
· A naturalidade é, como todos os conceitos, relativa. Só de dentro do ser ela pode emanar, viva e genuina, e não são os trapos e os adereços que a coibem, se realmente estiver presente no ser.

· Actualmente, muita da chamada “aparência natural” não representa mais do que a) sentido de rebanho, b) perda de referências, c) preguiça e/ou falta de asseio, d) tentativa de, a todo o custo, apresentar uma auréola de santidade/naturalidade/esquerdismo/modismo/pseudo-simplicidade e outras coisas afins.
A naturalidade torna-se, portanto, e contra natura, fabricada.
· Se todo o ser humano fosse verdadeiro para consigo mesmo, se se conseguisse subtrair à tirania das modas e conceitos prevalentes do que parece bem e parece mal, teriamos um mundo bem mais colorido e interessante! Sempre me atraíram os excêntricos genuinos (há muitos falsos); são como uma rajada de ar fresco num mundo empestado pela normose.
· Gosto da cor, de tecidos belos e de textura acariciante do corpo, agradam-me os adornos algo dramáticos e certos perfumes. Gosto de experimentar diferentes maquilhagens no meu rosto. Cada estado de espírito e cada situação me sugerem uma apresentação exterior que estou longe de conseguir por falta de tempo, meios e circunstâncias restritivas de toda a ordem. Se gosto, se me sinto bem na tentativa de me corresponder, isso valida a minha escolha de apresentação.
· Os motivos porque aquela pessoa me interpelou neste sentido podem ser muito mais complexos do que pareça à primeira vista; aqueles porque reagi vigorosamente ao seu comentário, idem idem, aspas aspas.
· Apesar de muitos já sabermos que a personalidade e o corpo físico são veículos efémeros e que só a alma pertence à eternidade, todos gostamos de nos sentir amados na nossa imperfeita manifestação física do agora e acabamos por nos ressentir quando criticados por quem é importante para nós.
· Aprovar ou criticar a aparência de outrém implica julgamento, que é próprio da personalidade.
· Os trapos, a maquilhagem e os adereços só emitem aquilo de que nós os imbuimos – as características do nosso veículo físico que os ostenta e a nossa naturalidade ou a falta dela.


Pretendi com esta reflexão tomar consciência das emoções mais ou menos desconhecidas presentes por detrás da acção e da reacção dos dois agentes deste episódio.

Importante, importante parece-me ser a nossa reverência perante o que outro é/aparenta ser.
Amor, amor é aceitar sem descriminação nem julgamento os sinais que o outro emite, sejam eles quais forem. Sem julgamento, portanto sem incompatibilização.
A identidade só existe verdadeiramente ao nível da alma.
Assim, continuarei a enfeitar-me enquanto de enfeites a personalidade precisar para uma manifestação mais coerente. Viva. Sem receios de ser reprovada.

Afinal, o que me interessa acima de tudo é experienciar o Amor e esse só existe mesmo a nível da alma!


MARIANA INVERNO, Notas Diárias à Sombra dos Tempos
1º Quadro: Elegância, ALFREDO ZALCE(1908-2003)
2º Quadro: Flores da Elegância, LEE BOGLE

28 março 2005

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Quem decide o quê...

A nossa vida, como repertório de possibilidades, é magnífica, exuberante, superior a todas as históricamente conhecidas. Mas assim como o seu formato é maior, transbordou todos os caminhos, princípios, normas e ideais legados pela tradição. É mais vida que todas as vidas, e por isso mesmo mais problemática. Não pode orientar-se no pretérito. Tem de inventar o seu próprio destino.

Mas agora é preciso completar o diagnóstico. A vida, que é, antes de tudo, o que podemos ser, vida possível, é também, e por isso mesmo, decidir entre as possibilidades o que em efeito vamos ser. Circunstâncias e decisão são os dois elementos radicais de que se compõe a vida. A circunstância – as possibilidades – é o que da nossa vida nos é dado e imposto. Isso constitui o que chamamos o mundo. A vida não elege o seu mundo, mas viver é encontrar-se, imediatamente, em um mundo determinado e insubstituível: neste de agora. O nosso mundo é a dimensão de fatalidade que integra a nossa vida.
Mas esta fatalidade vital não se parece à mecânica. Não somos arremessados para a existência como a bala de um fuzil, cuja trajectória está absolutamente pré-determinada. A fatalidade em que caímos ao cair neste mundo – o mundo é sempre este, este de agora – consiste em todo o contrário. Em vez de impor-nos uma trajetória, impõe-nos várias e, consequentemente, força-nos... a eleger. Surpreendente condição a da nossa vida! Viver é sentir-se fatalmente forçado a exercitar a liberdade, a decidir o que vamos ser neste mundo. Nem mum só instante se deixa descansar a nossa actividade de decisão. Inclusivé quando desesperados nos abandonamos ao que queira vir, decidimos não decidir.

É, pois, falso dizer que na vida «decidem as circunstâncias». Pelo contrário: as circunstâncias são o dilema, sempre novo, ante o qual temos de nos decidir. Mas quem decide é o nosso carácter.


ORTEGA Y GASSET, A Rebelião das Massas

27 março 2005

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JANELA PESSOANA

Sentir é criar.
Sentir é pensar sem ideias, e por isso sentir é compreender, visto que o Universo não tem ideias.
-Mas o que é sentir?
Ter opiniões é não sentir.
Todas as nossas opiniões são dos outros.
Pensar é querer transmitir aos outros aquilo que se julga que se sente.
Só o que se pensa é que se pode comunicar aos outros. O que se sente não se pode comunicar. Só se pode comunicar o valor do que se sente. Só se pode fazer sentir o que se sente. Não que o leitor sinta a pena comum. Basta que sinta da mesma maneira.
O sentimento abre as portas da prisão com que o pensamento fecha a alma.
A lucidez só deve chegar ao limiar da alma. Nas próprias antecâmaras do sentimento é proibido ser explícito.

Sentir é compreender. Pensar é errar. Compreender o que a outra pessoa pensa é discordar dela. Compreender o que a outra pessoa sente é ser ela. Ser outra pessoa é de uma grande utilidade metafísica. Deus é toda a gente.

Afirmar é enganar-se na porta.
Pensar é limitar. Raciocinar é excluir. Há muito que é bom penar, porque há muito que é bom limitar e excluir.
(...)
Substitui-te sempre a ti próprio. Tu não és bastante para ti. Sê sempre imprevenido por ti próprio. Acontece-te perante ti próprio. Que as tuas sensaçoes sejam meros acasos, aventuras que te acontecem. Deves ser um universo sem leis para poderes ser superior.
Faz de tua alma uma metafísica, uma ética e uma estética. Substitui-te a Deus indecorosamente. É a única atitude realmente religiosa. (Deus está em toda a parte excepto em si próprio.)
Faz do teu ser uma religião ateísta; das tuas sensações um rito e um culto...


FERNANDO PESSOA, Textos Íntimos

26 março 2005

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A Voz do PAI


Faz hoje trinta e cinco anos que o meu pai partiu desta dimensão. Foi-se numa quinta-feira de Páscoa, com toda a carga que este periodo tem na nossa cultura. No domingo de Páscoa seguinte, a família almoçou acompanhada já só da sua fotografia no lugar que era o dele à mesa e do atordoamento doloroso causado pela morte recente.
Em cada ano, desde então, vamos nós todos, os irmãos, beijar a mãe neste dia, com um apertozinho disfarçado no coração, já integradas a tristeza e a aceitação do bom e do mau que não chegámos a viver com ele. Também muita gratidão, pela permanência e constância da mãe.

Há um par de anos, estava eu de férias, aconteceu-me algo de estranho relacionado com a memória da sua voz, que me causou grande aflição. E escrevinhei umas coisas para me aliviar. Aí vai...




A VOZ DO PAI



Ontem, aconteceu-me uma coisa estranha.

Sozinha, no amplo quarto alentejano, de grandes janelas envidraçadas a dar para os montes verdes, onde se aprumam poéticas e antigas oliveiras, deixei-me vaguear pelas memórias dos primeiros anos.
A avó, a querida avó, alentejana. O rosto seco e magro, sempre digno, sempre composto, destilando sabedoria, antiga como ela.
A mãe, a dizer NÃO a tudo quanto emane desta terra onde nasceu e conheceu as marcantes dores da iniciação à pobreza e aos acanhados caminhos da restrição quase absoluta.
O pai, o pai belo e ausente, a melancolia sempre a ensombrar-lhe os olhos dourados e distantes, registo de inconfessados tormentos internos, a testa alta e pensativa. Lembro-me muito bem das mãos, as suas longas e brancas mãos, altivamente pousadas com elegância absurda em cenários inadequados. Partiu, há mais de três décadas, com aparato mínimo. Tendo em conta que se suicidou, há que admitir que tudo se passou de forma discreta, como se quisesse que não notassem a sua fuga pela porta lateral. Falou pouco, durante a sua curta vida, nada deixou escrito após a morte. Como de seu também quase nada tinha, a minha herança e a dos meus irmãos resume-se sobretudo às memórias.
E foi a caminhar pelos enganosos troços da memória que me dei conta que já não conseguia escutar, nas recônditas esquinas da lembrança, o timbre da sua voz. Uma voz masculina, a voz do homem original, a que me chamou legitimamente de filha. Rebusquei aflitivamente os registos internos, imaginei coisas. Era uma voz grave. Acho que me lembro disso. Hei-de perguntar ao meu irmão, para ter a certeza. Mas talvez lhe tenha acontecido o mesmo que a mim. Possivelmente, também para ele se esboroou o som dessa voz como poeira levada pelo vento do esquecimento. As mais novas seguramente não se lembram , nem vale a pena perguntar.
Reconstruo cenas, perfilo no écran da memória frases que ele dizia. Nos raros momentos de relaxe, gostava de recitar poesia.
Batem leve, levemente/como quem chama por mim/será chuva, será gente/ gente não é certamente/e a chuva não bate assim.
Parece que o oiço, mas não, afinal era só a minha voz entremeada com um arremesso de lágrimas.
Mais raramente ainda, trauteava um ou outro cantar alentejano. Acho que o fazia em tom baixo, inseguro das suas próprias capacidades vocais. Mas não tenho a certeza, não consigo ouvir nada. Vejo os lábios dele moverem-se, o espaço entre os dentes que herdei igualzinho, o cabelo já grisalho apesar da pouca idade. Mas como posso ver, se não oiço, se o som é percebido antes da forma, no máximo em simultâneo...?

Assalta-me uma grande inquietação. Lá se foi de vez o pai, sem memória não somos nada, disse alguém.

Trata-se, no entanto, e apenas, da minha memória pessoal neste dado momento.
Tenho de me lembrar disso. Se ele me aparecer em sonhos, se ele me chamar, estou segura que reconhecerei aquilo de que me não lembro agora. Digamos que a voz do pai, uma inapreensível subtileza, entrou no arquivo morto, como se se tivesse tornado inútil na condução dos dias.
Em verdade, não deveria fazer falta. Para que pode servir a voz de um morto, ou melhor, o nosso registo interno da memória de uma voz que, ao vivo, nunca mais se fará ouvir?


Não sei, acabam por ser tudo especulações. Para ser sincera, torna-se triste, sabe a perda, o eu não me lembrar desse som, dessa voz que umas poucas vezes me chamou de “princesa” e muitas mais me recriminou. Gostava de a ter podido reter no luminoso vale dos meus tesouros escondidos e ouvi-la, a meu grado, recitar de vez em quando.
Batem leve, levemente/como quem chama por mim...



MARIANA INVERNO, Notas Diárias à Sombra dos Tempos

25 março 2005

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Da Consciência, repressão, medo e pseudo-soluções...

Ando muito preocupada.

No país da lassidão, da irresponsabilidade e da esperteza saloia, no país da não inscrição como adequadamente o classifica José Gil, o poder instituído tem vindo a avançar selvaticamente sobre o cidadão comum com abusos e punições de toda a ordem, para que enfim se estabeleça a ordem, o progresso, a modernidade e o equilíbrio das contas públicas em Portugal.

Sem mexer um milímetro na consciência – a única força revolucionária de resultados duradoiros – o cidadão vê, da noite para o dia, a sua vida, hábitos e destino abruptamente interrompidos e alterados com sanções de execução imediata.
Amanhã, por exemplo, entra em vigor o novo Código da Estrada. Muito necessário, dizem. Uma vergonha, este país, na cauda de tudo quanto é bom e no topo daqueles em que, na Europa comunitária, ocorre maior número de acidentes e mortes. Agora, para remediar tudo isto (e arrecadar dinheiro depressa e bem para fazer face ao déficit) vai-se espetar com multas de centenas/milhares de euros, imediatamente pagáveis in loco, ao automobilista que cometa a menor infracção!
Que se acautelem os incautos condutores dos bólides portugueses ofensivos: ou andam de carteira bem recheada ou será melhor que o cartãozinho do multibanco funcione às mil maravilhas. Se não, ficam sem bólide. Ali mesmo, in loco.
Ora, como a maioria dos portugueses conduz vergonhosamente e anda a maior parte do mês com uma mão à frente e outra atrás em questões de dinheiro, prevejo que o Estado terá de construir quilómetros de espaço de estacionamento na periferia das cidades para os veículos apreendidos. Pelos montantes das anunciadas coimas, prevejo ainda que muitos deles poderão nunca vir a ser resgatados, pelo que novos problemas, logísticos, burocráticos, jurídicos, de gestão e possivelmente de marketing se irão apresentar.

Para não falar nos dramas pessoais, na raiva, na frustração e no MEDO, esse cancro sombrio e assustador que crescerá a olhos vistos e tomará conta das pesooas, minando-as com o seu bafo de morte. Sem que nada, rigorosamente nada, tenha mudado na consciência do ser humano português!

Pode até ser que, à boa maneira da nossa terrinha, tudo não venha a passar de um fogo de vista inicial, com a tradicional meia dúzia de vítimas e passe rapidamente à medida não inscrita do costume. Isto é, a medida que, por variadíssimas razões, não é integrada pela realidade dos portugueses.
Ó céus, pois se as pessoas de agora são as mesmas de há bocadinho, por que é que seria possível levar a cabo com rigor aquilo que nunca fizeram, aquilo que até os seus átomos parecem rejeitar? Aquilo que não faz parte nem sentido, aquilo que lhes aparece contra natura?
E, depois, estamos supostamente num espaço e num tempo democráticos em que, por princípio, o poder do estado não se pode impôr tirânicamente às pessoas. A não ser que (daí um dos motivos da minha preocupação) comecem a estar de volta os tempos de repressão humilhante e castradora do pré-25 de Abril. Nesse caso, será bom lembrar que a tragédia de uma sociedade repressiva é principalmente a dos seus constituintes agirem sem consciência, manipulados pelo MEDO.

Mulheres e homens deste país, do mundo inteiro: despertai, pois já não há tempo.
Há-de perecer quem não crescer!
Temos de trabalhar incansavelmente em nós mesmos, integrar conhecimentos, educação cívica e ecológica e uma ética comportamental próprios de quem sabe ser responsável por si mesmo e pelas suas acções. Capaz, por conseguinte, de dirigir a sua vida de forma consciente, sem espaço para o exercício de práticas repressivo-punitivas pelas “autoridades”.
É urgente que nos treinemos na análise e no questionamento do que se passa à nossa volta. É urgente que envidemos esforços no sentido da mudança da qualidade interior –aquela que aponta para a nossa total responsabilidade e empenho no respeito e amor incondicionais por todas as manifestações de vida.


Digo e penso tudo isto e muito mais, a Bem de um Mundo Melhor!


MARIANA INVERNO, Notas Diárias à Sombra dos Tempos

21 março 2005

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Ser e Não-Ser

No Dia Mundial da Poesia, pareceu-me adequado deixar aqui os iluminados versos de Pessoa. Pessoa tão grande, alma minha, tão absurdamente fora e tão mais além do seu tempo...


HILDA MONTENBRUCK

Tudo o que sinto, tudo quanto penso,
Sem que eu o queira, se me converteu
Numa vasta planície, um vago extenso
Onde há só nada sob o nulo céu.

Não existo senão para saber
Que não existo, e, como a recordar,
Vejo boiar a inércia do meu ser
No meu ser sem inércia, inútil mar.

Sargaço fluido de uma hora incerta,
Quem me dará que o tenha por visão?
Nada, nem o que tolda a descoberta
Com o saber que existe o coração.


FERNANDO PESSOA, Novas Poesias Inéditas

20 março 2005

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Convívio Quântico

És e não és. Estás e não estás.

Nada mexe lá fora. Os ramos da árvore grande em frente da minha janela, tesos e estéreis da seca, recortam-se com uma pontinha de desespero contra o céu, hoje de um cinza não suficientemente carregado para que a desejada chuva se anuncie.
Uma pomba branca equilibra-se airosa e breve, por uns instantes, sobre os fios do telefone. Pela janela entreaberta chega-me o som do tráfico, mais vagaroso e moderado do que habitualmente pois é domingo de manhã, o qual se mistura de forma incongruente com o trinado dos passarinhos.
A felicidade, neste preciso momento, é ser domingo de manhã, não haver escritórios, telefonemas, horas fixas para nada e ninguém na casa.
A felicidade foi tomar o pequeno almoço recostada na cama, enquanto ouvia distraídamente o programa de domingo do Júlio Machado Vaz e antecipava o gosto de escrever estas linhas.

Sinto-me feliz e sinto-me não feliz.



Estive ontem num casamento onde foi à mãe da noiva que calhou o ramo atirado pelo ar às cegas.
Achei muita graça. Sempre me dispôs bem o não ortodoxo, o fora do normal. É este impulso meu de fundo a querer romper com o rotineiro, o gasto, o obrigatório, o dogmático, o obsoleto. Só nele parece residir inovação, vida, esperança...
Por isso desfrutei tanto de rever Basarab Nicolescu, outro dia à noite, naquela palestra de formato cansativo (a pobre da tradutora, de bochechas vermelhas e transpiradas, exudava cansaço e alguma aflição, ao tentar traduzir o melhor que lhe era possível, o francês académico do filósofo para um português impreciso e pouco esclarecedor para quem não dominasse a língua francesa)!
Nicolescu e a transdisciplinaridade são um estandarte de luz nos obscuros e decadentes tempos em que vivemos. Ajuda -nos a dar o salto mais além da dualidade, do sistema binário de raciocínio e percepção, recupera e enuncia os contornos palpitantes e elusivos do sagrado na nossa subjectividade. Esta é hoje a via de esperança de reconversão da cultura da tecnociência, deshumanizante e árida, desprovida de espírito, que quer dominar o mundo num tempo em que, segundo Nicolescu (e muitos outros, incluindo eu própria) “assistimos ao assassinto da transcendência, como culminar do pensamento dual, binário”.

Não sou boa por não ser má.
Nem sou má por não ser boa.
Sou boa e não boa.
Sou má e não má.
Ao mesmo tempo.

És e não és.
Quero e não quero..
Estou e não estou.
Gosto e não gosto.

Sou A e sou Não-A.
Ao mesmo tempo.


MARIANA INVERNO, Notas Diárias à Sombra dos Tempos

18 março 2005

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Reverência em relação à Vida

A reverência é uma percepção da alma. Só a personalidade pode percepcionar a Vida sem reverência. A reverência é um aspecto natural do autêntico empoderamento porque a alma reverencia toda a Vida. Assim, quando a personalidade esta alinhada com a alma, não pode percepcionar a Vida senão com reverência.


A decisão de se tornar uma pessoa reverente é essencialmente a decisão de se tornar uma pesoa espiritual. Não existe, presentemente, lugar para a espiritualidade no domínio da ciência, da política, dos negócios ou no mundo académico. Para o ser humano multisensorial, um homem ou uma mulher de negócios reverente é uma pessoa que inspira uma nova energia no arquétipo do empresário, trocando a dinâmica motivada pelo lucro que é produzido ao servir os outros, por uma dinâmica motivada em servir os outros, por uma dinâmica motivada em servir os outros, possibilitada pelo lucro e um político reverente é uma pessoa que desafia o conceito de poder exterior, trazendo para a área da política, os interesses do coração.
Consequentemente, a decisão de abordar a Vida com reverência, significa agir e pensar como um ser espiritual num mundo que não tem reconhecimento pelo espírito, significando também dirigir-se conscientemente em direcção às percepções do ser humano multisensorial.


GARY ZUKAV, O Lugar da Alma
Ed. Sinais de Fogo

Escultura de Yole Travassos

13 março 2005

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QUANDO PATER ESCOLHE MÁTRIA

Se a pátria se derivara da terra, que é a mãe que nos cria,
havia-se de chamar mátria.

PADRE ANTÓNIO VIEIRA, SERMÕES




Na livraria do PROJECTO aparece todo o tipo de pessoas. Sempre lamento o facto de não dispôr de mais tempo para aí atender e confraternizar com os diferentes tipos humanos que por lá passam e cujo convívio enriquece a nossa experiência e alarga a nossa percepção da sociedade a que pertencemos.
Entre os habitués figura um senhor de idade avançada (anda pelos oitenta e tais, é viúvo, baixo, de feições regulares, sorriso doce e grande delicadeza) que por lá passa quase diariamente.
A amizade com o nosso grato visitante tem crescido com a livraria, pois desde a meia dúzia de livros iniciais até à presente oferta de títulos, distam uns poucos anos de apoio regular deste senhor. Com compras semanais. Com sugestões, com as suas histórias – é um homem culto e viajado que se reformou cedo para poder prosseguir a sua busca prioritária: o conhecimento - sobretudo com aquele rosto amável e palavras de estímulo a incentivar-nos na busca da excelência.
As pessoas sabem que este senhor tem muito conhecimento e fazem-lhe todo o tipo de perguntas. E ele, despretensiosamente, vai dando em folhinhas A4, recheadas da sua elegante caligrafia, as explicações pedidas.
No outro dia, topei por acaso, na secretária dum colega, com uma dessas folhinhas que, sem mais comentários, passo a trancrever aqui na íntegra.



mátria (lat.) madre: mãe. Substituição arbitrária do termo Pátria (lat. patria; de pater, pai).
-Embora se diga a Pátria (fem.), o nome Pátria vem de «Pai» e não de «Mãe», como legitimamente devia ser... (parece até haver nisto uma subalternação da mulher...). Então Natália Correia resolveu chamar «Mátria», em vez de «Pátria», a um seu programa televisivo , por lhe parecer mais lógico...
-A primeira pessoa a substituir arbritrariamente o termo Pátria pelo termo Mátria, foi o Padre António Vieira, chamado por Fernando Pessoa o imperador da língua portuguesa.
Patri: elemento (do lat. pater) de composição que traduz a ideia de pai, país e pátria.
Mátria – matriz: útero, lugar onde qualquer coisa se forma, gera ou cria, mãe d´água, fonte, manancial.
matriz = madre= útero.



-Apesar de alguns chamarem Poeta a uma poetisa que rivaliza com um grande poeta, é mais correcto dizer-se poetisa (fem.) e não poeta (masc.), mesmo que a poetisa esteja ao nível de um poeta genial.
«Quiz-nos parecer que poetisa é termo deprimente aplicado à mulher que rivaliza com Camões a tocar lira. Mulher assim merece barba, merece que se lhe chame poeta».

-Parece-nos mau feminino a supressão dos femininos. É considerar que só o homem tem direito ao génio (...)

«Em minha opinião, creio que chamar-se poeta a uma mulher, ainda que talentosa, não deixa de significar um certo «machismo».




Pois é. Não se deve nunca generalizar. Inesperadamente, da noite escura do obscurantismo e da ignorância, surge o exemplo de alguém como o nosso amigo!
A nossa esperança tem de se alimentar de referenciais como o visitante da nossa livraria. Nasceu e viveu homem numa sociedade patriarcal e machista, avessa ao progresso interior dos seus cidadãos (especialmente se eles fossem do género feminino). Soube, no entanto, apesar dos sinais contrários recebidos do meio, preservar o que de mais precioso nos deve orientar: a busca do conhecimento, iluminado pelo esplendor da alma.

Por isso, sendo pater, a sua inequívoca escolha foi mátria!

MARIANA INVERNO, Notas Diárias à Sombra dos Tempos

11 março 2005

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TRANSDISCIPLINARIDADE

O grande filósofo romeno, BASARAB NICOLESCU, que em 1994 assinou em Óbidos, juntamente com Edgar Morin e o pintor Lima de Freitas, o comovente documento que é a

CARTA DA TRANSDISCIPLINARIDADE


fará uma palestra no próximo dia 18 de Março, pelas 20h 00, na Quinta da Paciência, em Sintra.

Trata-se de uma ocasião única para escutar este grande pensador que tão importante contribuição tem dado para a evolução do pensamento e da percepção humanas.

No ambiente muito agradável da Quinta da Paciência, em S. Pedro de Sintra.
Custo: €10,00.
Reservas: 21.9240232
Lugares limitados.


Pela sua importância e pela urgência em que nos debrucemos de forma séria e profunda sobre o que a CARTA enuncia, passo a transcrevê-la na íntegra.


CARTA DA TRANSDISCIPLINARIDADE


PREÂMBULO

Considerando que a proliferação actual das disciplinas académicas e não-académicas conduz a um crescimento exponencial do saber, o que torna impossível uma visão global pelo ser humano,

Considerando que só uma inteligência que dê conta da dimensão planetária dos conflitos actuais poderá fazer face à complexidade do nosso mundo e ao desafio contemporâneo de autodestruição material e espiritual da nossa espécie,

Considerando que a vida está fortemente ameaçada por uma tecnociência triunfante, que só obedece à lógica assustadora da eficácia pela eficácia,

Considerando que a rotura contemporânea entre um saber cada vez mais cumulativo e um ser interior cada vez mais empobrecido conduz à escalada dum novo obscurantismo, cujas consequências no plano individual e social são incalculáveis,

Considerando que o crescimento dos saberes, sem precedente na história, acentua a desigualdade entre os que os possuem e os que deles estão privados, gerando assim desigualdades crescentes no interior dos povos e entre as nações do nosso planeta,

Considerando simultaneamente que todos os desafios enunciados têm a sua contrapartida de esperança e que o crescimento extraordinário do saber pode conduzir, a longo prazo, a uma mutação comparável à passagem dos homídeos à espécie humana,

Considerando o que precede, os participantes do Primeiro Congresso Mundial de Transdisciplinaridade (Convento da Arrábida, Portugal, 2-6 de Novembro de 1994) adoptam a presente Carta compreendida como um conjunto de princípios fundamentais da comunidade dos espíritos transdisciplinares, constituindo um contrato moral que todo o signatário desta Carta faz consigo próprio, livre de qualquer constrangimento jurídico e institucional.

Artigo 1: Qualquer tentativa de reduzir o ser humano a uma definição e de o dispersar em estruturas formais, sejam elas quais forem, é incompatível com a visão transdisciplinar.

Artigo 2: O reconhecimento da existência de diferentes níveis de realidade, regidos por diferentes lógicas, é inerente à atitude transdisciplinar. Qualquer tentativa de reduzir a realidade a um único nível regido por uma única lógica não se situa no campo da Transdisciplinaridade.

Artigo 3: A Transdisciplinaridade é complementar da aproximação disciplinar; ela faz emergir da confrontação das disciplinas novos dados que as articulam entre si e que nos dão uma nova visão da natureza e da realidade. A Transdisciplinaridade não procura a dominação de várias disciplinas mas a abertura de todas as disciplinas ao que as atravessa e as ultrapassa.

Artigo 4: O elemento essencial da Transdisciplinaridade reside na unificação semântica e operativa das acepções através e para além das disciplinas. Ela pressupõe uma racionalidade aberta, por um novo olhar sobre a relatividade das noções de «definição» e de «objectividade». O formalismo excessivo, a rigidez das definições e a absolutização da objectividade comportando a exclusão do sujeito conduzem à deterioração.

Artigo 5: A visão transdisciplinar é deliberadamente aberta na medida em que ela ultrapassa o domínio das ciências exactas pelo seu diálogo e a sua reconciliação não somente com as ciências humanas mas também com a arte, a literatura, a poesia e a experiência interior.

Artigo 6: Em relação à interdisciplinaridade e à multidisciplinaridade, a Transdisciplinaridade é multireferencial e multidimensional. Tendo em conta a concepção do tempo e da história, a Transdisciplinaridade não exclui a existência dum horizonte transhistórico.

Artigo 7: A Transdisciplinaridade não constitui nem uma nova religião, nem uma nova filosofia, nem uma nova metafísica, nem uma ciência das ciências.

Artigo 8: A dignidade do ser humano é também de ordem cósmica e planetária. O aparecimento do ser humano na Terra é uma das etapas da história do Universo. O reconhecimento da Terra como pátria é um dos imperativos da Transdisciplinaridade. Qualquer ser humano tem direito a uma nacionalidade, mas, sob o título de habitante da Terra, ele é simultaneamente um ser transnacional. O reconhecimento pelo direito internacional desta dupla pertença - a uma nação e á Terra - constitui um dos aspectos da investigação transdisciplinar.

Artigo 9: A Transdisciplinaridade conduz a uma atitude aberta em relação aos mitos e às religiões, por aqueles que os respeitam num espírito transdisciplinar.

Artigo 10: Não há um local cultural privilegiado donde seja possível julgar as outras culturas. A atitude transdisciplinar é ela própria transcultural.

Artigo 11: Uma educação autêntica não pode privilegiar a abstracção no conhecimento. Ela deve ensinar a contextualizar, concretizar e globalizar. A educação transdisciplinar revaloriza o papel da intuição, do imaginário, da sensibilidade e do corpo na transmissão dos conhecimentos.

Artigo 12: A elaboração duma economia transdisciplinar fundamenta-se no postulado de que a economia deve estar ao serviço do ser humano e não o inverso.

Artigo 13: A ética transdisciplinar recusa toda a atitude que rejeita o diálogo e a discussão, de qualquer origem - de ordem ideológica, científica, religiosa, económica, política, filosófica. O saber partilhado deve conduzir a uma compreensão partilhada, fundada sobre o respeito absoluto das alteridades unidas por uma vida comum numa única e mesma Terra.

Artigo 14: Rigor, abertura e tolerância são as características fundamentais da atitude e da visão transdisciplinares. O rigor na argumentação que entra em conta com todos os dados é o guardião relativamente aos possíveis desvios. A abertura comporta a aceitação do desconhecido, do inesperado e do imprevisível. A tolerância é o reconhecimento do direito às ideias, comportamentos e verdades contrárias às nossas.

Artigo final: A presente Carta da Transdisciplinaridade é adoptada pelos participantes do Primeiro Congresso Mundial de Transdisciplinaridade, sem apelo a qualquer outra autoridade que não seja a da sua própria actividade.

Segundo os procedimentos que serão definidos de acordo com os espíritos transdisciplinares de todos os países, a Carta está aberta à assinatura de qualquer ser humano interessado pelas medidas progressivas de ordem nacional, internacional e transnacional pela aplicação destes artigos na vida.


Convento da Arrábida, 6 de Novembro de 1994
Lima de Freitas, Edgar Morin e Basarab Nicolescu

08 março 2005

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M u l h e r

No Dia Internacional da Mulher, solidarizo-me com todas as mulheres do mundo, com as suas dores e alegrias, as conquistas e os desenganos, com a carga imensa que a maioria de nós ainda tem de suportar e com a Esperança, que caminha a par de todos os nossos pesos e sombras, numa Mulher mais completa, assumida, liberta, na plena posse e cumprimento do seu legado ancestral.

IN MEMORIAM


Lembro também aqui, hoje com muito amor uma mulher da minha família, que partiu ontem ao final do dia desta dimensão, e a quem me unia muita cumplicidade espiritual.
Bem hajas por todos os momentos de partilha!

Terminado o sofrimento nesta vida, reunida com a tua dimensão maior, possas tu, Maria Teresa, reganhar a paz, a harmonia e a completude que te pertencem.

06 março 2005

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UM LIVRO ABERTO

Conhecemo-nos na faculdade, há mais de três décadas, e continuámos a encontrar-nos ocasionalmente para, como costumamos dizer entre nós, pôr a escrita em dia.
Manteve sempre aquele ar brejeiro, mesmo depois das rugas terem feito o inevitável aparecimento. Anteontem, num dos nossos encontros regulares num café do Chiado, achei-a estranha, de rosto crispado, os nervos à flor da pele.


Não aguento, percebes? Não aguento. Isto vai contra tudo o que eu sou, contra os meus princípios, a minha prática de vida. MENTIU-ME! A mim, que sempre lhe contei tudo, todos os detalhes, as minhas histórias mais íntimas...Pu-la sempre a par de tudo!
Tu sabes que eu sou uma pessoa límpida, a minha vida é um livro aberto.
Mas a sacana guardou este segredo a vida inteira e, ainda por cima, eu vim a saber de tudo por vias e travessas. Não aguento, não aguento!

Referia-se à melhor amiga com quem partilhava tudo desde a meninice. Casaram no mesmo dia, porque “era giro duas noivas amigas fazerem a festa em conjunto”. As famílias passam férias juntas e juntas vão as duas ao cabeleireiro, ao cinema, ao restaurante. Cresceram juntas e vão envelhecendo a par. Na posse da vida uma da outra. Livros abertos, uma para a outra. E eis senão quando uma descobre que a outra guardou para si só uma página da sua vida, não a confessou como faz com tudo o resto, por razões que em verdade só a ela dizem respeito.
A minha antiga colega de faculdade continuou o seu discurso entre irada e ressentida, enquanto ia mastigando nervosamente pedacinhos de croissant e deixava no ar a crescente ameaça de pôr fim a um relacionamento de meio século.
Lá lhe fui dizendo, sem muito sucesso, umas quantas coisas: que se acalmasse, que tentasse ver as coisas doutro ângulo, que guardar para nós mesmos o que se sente ser só nosso não é mentir. Omissão, quando muito. E coisas do género.
Em vão, persistiram as sombras do ressentimento. Acabei por me afastar interiormente, a partir de certo momento como que deixei de a ouvir, tão ilegítima me aparecia a sua reacção.
Sempre me incomodou esta atitude nas pessoas. E há tantas que reagem assim! Dir-se-ia que precisam de estar na posse do próprio respirar de quem lhes é íntimo para se sentirem seguros nessa mesma intimidade. O recíproco também é verdadeiro. Para a maioria da humanidade, é indispensável contar a alguém, revelar o que lhes vai na alma para se livrarem do peso, muitas vezes da angústia. E a roda da via segue, no controle compulsivo uns dos outros.
Não sinto assim. E, consequentemente, não faço nem deixo que me façam assim. Respeito em demasia o espaço interior dos outros e galgar a vedação protectora dos seus segredos não me motiva.

Se o falarmos voluntariamente com alguém sobre assuntos íntimos nos pode trazer, por momentos, algum alívio (e mais tarde, em certos casos, muitas complicações, pois a maioria das pessoas não está preparada para receber com respeito os nossos segredos), também é verdade que se formos capazes de, consciente e corajosamente, preservar do conhecimento de terceiros certas áreas interiores, o nosso poder pessoal e autonomia crescem.

Guardar a excelência do sagrado, viver com ela, aumenta a nossa própria excelência. E contribui de forma notável para a boa saúde da economia espiritual ao não “dar pérolas a porcos”.


MARIANA INVERNO, Notas Diárias à Sombra dos Tempos

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CHAVES DAS PLEIADES

O TEMPO

O Tempo é uma construção.


Na Terra, têm assumido que o presente resulta do passado. Sugerimos que o presente deriva do futuro também. O Tempo tem muitos portais que o atravessam e o passado e o futuro têm ambos a sua própria validade e importância. Isto é parte do todo do agora em expansão.. O Passado, no seu agora, continua a influenciar o seu presente contínuo. Estes presentes contínuos continuam a crescer e a madurar, tal como as suas contrapartidas futuras.
O vosso compromisso envolve mudar o passado, ao virem do futuro, por forma a criar um presente diferente.



Traduzido e adaptado de
Barbara Marciniak, EARTH, Bear & Co., 1994

02 março 2005

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VENEZA


Ir a Veneza é o sonho de muita gente!
A nossa cultura criou o mito romântico da antiga cidade mercantil como o recanto por excelência para o amor e a nação italiana explora hoje de todos os modos possíveis aquilo que é, materialmente, uma mina de ouro.
Acabo de estar em Veneza. Hospedada no Danieli, um hotel emblemático da cidade, instalado num palácio do séc.XV. Da janela do meu quarto abria-se, sob uma luz incomparável, a baía de São Marco e o Canal Grande com a Basilica de San Giorgio Maggiore ao fundo.
Pois, apesar dessa luz, apesar da inegável beleza da traça dos muitos palazzos perfilados ao longo do Canal, apesar dos poéticos recantos nas praças interiores e da elegância das gôndolas deslizantes como por encanto sobre as águas calmas, apesar dos quinze séculos de história e do refinadíssimo bom gosto italiano a espreitar por todo o lado, apesar das maschere em papier-maché dignas de um cenário de luxo, apesar de Tintoretto, Veronese, Vivaldi, Carpaccio e Marco Polo, Giorgione, Da Vinci e Lombardo e todos os ilustres visitantes como Byron, Ruskin e Thomas Mann que, ao longo do tempo a cantaram, Veneza já não tocou favoravelmente a minha consciência de hoje.
Vi demasiada pilhagem legitimizada (deve ser a cidade mais cara do mundo!), senti que a energia da indústria do turismo perpassa tudo e todos e que, para o amor, são criados cenários, recantos e ambiência próprios, vendidos ao peso de muitos euros. (Tudo tão caro que, se o amor nâo existe, terá de emergir à força nem que seja para justificar o investimento!)

Cheira mal em Veneza. Até mesmo no luxuosíssimo Danieli ! Mal abria a porta do quarto, uma baforada de cheiro a esgoto avançava incongruente pelos elegantes corredores decorados com finíssimas peças de mobiliário antigo e valiosos lustres de Murano. Na Piazza de San Marco tive dificuldade em visualizar a beleza de momentos como o imortalizado no sumptuoso quadro de Bellini (a) pois, como em quase todos os templos do mundo nestes dias de afluxos turísticos sem precedentes, não é mais do que um local de passagem de turistas raramente bem informados sobre o que estão a ver mas que sentem precisar de incluir a visita no seu “currículo” pessoal.
Senti-me mal no Palácio do Doge, reminiscente para mim de clausura, grande peso, prisão dourada, intriga política, convenção e rigidez.
As Galllerie dell’Accademia e a profusão de pinturas sacras entediaram-me.
Tive muita dificuldade em encontrar livrarias e desgostou-me a expressão meio avelhacada (própria de quem calcula constantemente) no olhar de quase todos os criados e prestadores de serviços.
Abominei a forma como as autoridades locais permitem que os múltiplos estaminés de “souvenirs” (vendem todos a mesma coisa – maschere, âmbar e vidro de Murano) tapem a vista da baía com o seu aberrante colorido de mercadorias.
Apiedei-me do pittore que me vendeu uma aguarela pois, como todos os seus colegas, pinta a metro uma Veneza de cartão postal.
Finalmente, na Italia da boa cozinha comi mal e paguei escandalosamente caros a pasta, os panini e os capucinos que ingeri; o que é mais, tiritei de frio pois o clima está particularmente rigoroso este inverno.

Veneza é arquitectonicamente interessante, desfruta de uma posição geográfica ímpar e constitui uma atracção curiosa pela forma como nela se vive (se viveu, sobretudo), tendo canais por ruas e barcos por meio de transporte. O autocarro é o vaporetto, extremamente desfrutável ao mover-se pelas águas calmamente, de cais em cais (estações): San Zaccharia/Pietà, Salute, Santa Maria del Giglio, Rialto, Piazzale Roma...


Mas Veneza é um monumento ao poder exterior, um lugar sem alma.
Como se os genes dos mercadores que nela e através dela enriqueceram no passado, vivessem naqueles que hoje a prostituem para garantir o lucro material como único e máximo objectivo. É possível que haja uma outra vida em Veneza para além do “beaten track”, em lugares e praças mais escondidos, entre grupos cúmplices e afins unidos por projectos culturais ou outros, com um conhecimento e uma prática de vida na cidade que não serão nunca os de uma turista ocasional como eu!

A vibração energética da cidade é muito baixa e não me surpreenderia que, com a elevação da consciência colectiva, com o advento de um Mundo Novo e uma Nova Ordem, venha a ser um dos muitos locais que se afundarão.

Previsivelmente a bem de um mundo renovado nas suas referências e habitado por humanos multisensoriais!


MARIANA INVERNO, Notas Diárias à Sombra dos Tempos
(a) A Procissão na Praça de São Marcos (séc.XV)

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