ORDEM NASCENTE

Textos poéticos e filosóficos sobre a ordem nascente
A ordem nascente é ainda elusiva e periclitante. São muitos os profetas apocalípticos que auguram o fim dos tempos, e assim alimentam o medo no ser humano, facto que não pode bem servir a humanidade. Mas há, sem dúvida, crescentes indícios, vestígios, sinais que auguram o fim de um tempo, o ruir das estruturas... MARIANA INVERNO

29 julho 2004

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I N D Í C I O S ...

Corre um estremecimento pela ponta da minha pena. É ainda vago, entrecortado, elusivo até... Sonho com ele, como se tardasse a honrar o ineludível tempo. A ponto de se expressar, escapa-se contudo, ensombrado pelas continuadas horas de produção concreta, pelo ruído externo.
Tudo encaixa. As coisas devem fazer sentido. Ajustar-se.
Enquanto isso, a pena traça, inquieta e misteriosa, esboço de rodopio futuro, uma dança verbal bela e necessária. Tudo é ainda lusco-fusco, respira o ar segredos, algures canta algo ou alguém que não consigo ouvir distintamente.
Conta-me, vida, ao que vim. Acorrenta-me ao teu devir, mas deixa que o meu jardim floresça. Há de todas as flores, há de facto novas flores no meu campo maior, sou a onda que irrompe de si mesma, sou o grito e o vazio do próprio grito, em giratória convulsão.
É certo que transporto o meu olhar cerrado para tudo o que me não toca as entranhas. Respiro, por isso, encantada e perplexa, os indícios de ouro da transmutação...


MARIANA INVERNO, Notas Diárias à Sombra dos Tempos
Quadro: Helena Nelson Reed

26 julho 2004

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GUARDAR A LUZ

“Um dos motivos mais emocionantes para se estar na Terra neste momento, é o facto de estar a haver uma reorganização ou uma re-instrumentação do vosso DNA. Raios cósmicos estão a incidir sobre o planeta para que esta mudança seja difundida e a reorganização possa ocorrer dentro do corpo.
(...) Quando estes agrupamentos ou reorganizações ocorrerem, os seres humanos irão desenvolver um sistema nervoso mais evoluído que possibilitará o acesso de uma quantidade muito maior de informação à sua consciência. Muitas células do cérebro que haviam permanecido dormentes irão ser despertas e passarão a utilizar toda a capacidade do corpo físico e não apenas a pequena percentagem com a qual tem vindo a funcionar.
Todas as regiões do planeta estão sendo afectadas por esta mudança, esta conscientização. Aqueles de entre vós que são Guardiães da Luz e desejam mudar completamente a realidade presente, introduzindo diferentes opções, estão a ancorar a frequência.
(...)Os novos caminhos de conscientização criam novas realidades, novas opções e novas maneiras de ser e viver. É por isso que o colapso da vossa sociedade é inevitável; ela não mantem a luz nem as possibilidades multidimensionais; ela mantem-vos na sua limitação.”


MENSAGEIROS DO AMANHECER, Barbara Marciniak,
Ed. Ground, São Paulo 1996


24 julho 2004

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In memoriam

A Carlos Paredes, de regresso à MATER
Com Amor no meu adeus...




Num sonho todo feito de incerteza,
De nocturna e indizível ansiedade,
É que eu vi teu olhar de piedade
E (mais que piedade) de tristeza...

Não era o vulgar brilho da beleza,
Não era o ardor banal da mocidade...
Era outra luz, era outra suavidade,
Que até nem sei se as há na natureza...

Um místico sofrer...uma ventura
Feita só do perdão, só da ternura
E da paz da nossa hora derradeira...

Ó visão, visão triste e piedosa
Fita-me assim calada, assim chorosa...
E deixa-me sonhar a vida inteira!


ANTERO DE QUENTAL (1842-1891)
Quadro: Vincent van Gogh

23 julho 2004

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O POETA DA GUITARRA

Passou por nós como uma flor rara, avesso a hossanas e honrarias. Origem e vida humildes, o poeta da guitarra honrou Portugal e a alma portuguesa como só o sublime pode fazer. Anti-fascista, perseguido e sem o devido reconhecimento até muito tarde – fenómeno comum aos melhores filhos desta pátria perdida de si – o mestre da guitarra portuguesa era um homem aparentemente distraído de quase tudo menos do essencial.
Tive a alegria de o encontrar pessoalmente uma única vez, quando o convidei a actuar numa acção de promoção da imagem de Portugal em Barcelona. Lembro, com um nó na garganta, os acordes de guitarra a perpassarem mágicos e dolentes cada átomo daquele salão do Hotel Ritz, em total silêncio. Lembro que me correram lágrimas furtivas, pois a alma, a minha alma também tão portuguesa, podia enfim deixar escoar em público o seu pranto tão longamente contido, abraçada aos sons que dançavam num parto emotivo e tumultuoso como a origem do tempos...
Quando o saudei comovida, Carlos Paredes de olhos baixos balbuciou,Muito obrigado, minha senhora, sinto-me muito honrado, muito agradecido, é muita bondade sua...
Num mundo em que a mediocridade é exaltada todos os dias, em que se gastam e compram milhões em nome de ídolos de pés de cal – referenciais efémeros de uma paradigma em aguda decadência – deixai-me chorar, deixai-me cantar esta alma poética, a um tempo privada e universal, que por nós passou.
Que o seu canto perdure como um legado incomparável na memória desperta de todos os portugueses!
Lembrai o poeta da guitarra, lembrai o místico e o sublime tão longamente adormecidos na nossa alma colectiva...


MARIANA INVERNO, Notas Diárias à Sombra dos Tempos

20 julho 2004

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QUEM EU SOU


Estou cansada de afirmar que sou assim ou assado! Estou exausta de esclarecer, de confirmar as minhas intenções, de apaziguar, de compensar.
A partir de hoje, faço um pacto comigo mesma: não esclarecerei, não darei aos outros informações sobre quem sou ou o que me move. Mais a mais, que sei eu de mim mesma para os outros? Tudo o que eu disser é questionável pois há tantas percepções, tantas verdades quantos indivíduos existem sobre a Terra.
Se eu pouco ligo ao que os outros me dizem sobre si mesmos, por que lhes hei-de justificar os motivos do que me conduz na vida? Porque hei-de contar a minha história, que é só minha afinal, pois por cima do meu texto haverá sempre o texto dos outros, as suas correcções, distorções, análises...?
Aquilo que cada ser sente há-de sempre prevalecer para si mesmo. Cada qual conta os seus contos como pode e como sabe. É uma questão de sobrevivência.

Resta-me ser. Apenas.
Serena, o mais possível.
Só...inevitavelmente.

MARIANA INVERNO, Notas Diárias à Sombra dos Tempos

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O VENTO DO ESPÍRITO (excertos)



Senti passar um vento misterioso,
Num torvelinho cósmico e profundo.
E me levou nos braços; e ansioso
Eu fui; e vi o Espírito do Mundo.

Estranho vento, em fúria, sem tocar
Na mais tenrinha flor! E assim agita
Todo o meu ser, em chamas, a exalar
Luz de Deus, luz de amor, luz infinita!

Vento que me levou, nem sei por onde;
Mas sei que fui; e, ao pé de mim, bem perto,
Vi, face a face, a névoa a arder que esconde
O fantasma de Deus, sobre o deserto!



E vi também a luz indefinida
Que, nas trevas, se fez, esclarecendo
Meu coração, que voa, além da vida,
O seu peso de lágrimas perdendo.

E aquele grande vento transtornou
Minha existência calma; e dor antiga
Meu rude e frágil corpo trespassou,
Como a chuva uns andrajos de mendiga.

E fui num grande vento; e fui; e vi;
Vi a Sombra de Deus. E, alvoroçado,
Deitei-me àquela sombra, e, em mim, senti
A terra em flor e o céu todo estrelado.


TEIXEIRA DE PASCOAES (1877-1952)

19 julho 2004

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AS T-SHIRTS DA CLARA

Chegada quase ao termo de uma física e emocionalmente extenuante viagem a Londres, decidi no último dia dedicar algum tempo a escolher umas roupas para a minha afilhada que tem seis anos e se chama Clara pela luz que trouxe aos sonhos de sua mãe.
Em nome do carinho que sinto pela criança lá me desloquei, apesar do meu cansaço, ao grande armazém londrino em busca  de algumas peças estivais que servissem à pequenina.
Na secção de crianças, ao  apreciar as T shirts à venda, andei de choque em choque. Apostas àquelas blusitas de cor verde alface, rosa, laranja berrante, preto ou azul celeste apareceram dante dos meus olhos estarrecidos as mais infames mensagens. I AM THE GIRL WHO HAS EVERYTHING! afirmava uma frase laranja sobre um fundo  verde, I ONLY WANT WHAT I CANNOT HAVE representava uma opção castanha sobre a blusa amarela, I DON’T NEED THIS! cuspia o seu enfado em inocente rosa sobre um seráfico azul celeste.
Senti-me tão revoltada que fui falar com uma das empregadas na caixa. Era uma rapariga de cor, jovem, muito bonita, de olhar doce. Escutou a minha ira em silêncio, esboçou um leve sorriso e disse em voz baixa que ali só vendiam o que o mercado pedia. Perguntei-lhe como reagiam as outras pessoas, sobretudo as mulheres-mães, perante um descalabro destes. Senti-lhe o embaraço quando me respondeu que eu fora a primeira pessoa a comentar as frases das blusitas, que se vendiam muito bem.
Falei, falei muito depois. De como sinto uma aflição enorme no coração perante a irresponsabilidade que grassa na nossa sociedade, o facto de nos portarmos como cordeiros tontos levados para onde decidem que temos de ir, sem nada questionarmos, sem pararmos um momento para pensar que estamos a fabricar monstros pela nossa alegada falta de tempo para o que é essencial. Talvez nos tenhamos até já esquecido do que é essencial.
 Disse alto e bom som quão relevante, quão urgente é voltar a cultivar a inocência das crianças, criar-lhes sentido de responsabilidade e integrá-las num espírito comunitário, onde a superioridade (se assim se pode chamar) só pode advir da consciência que se tenha do sofrimento alheio. Onde se respeite o alheio como se nosso fora e o sentido de dádiva e de partilha seja uma constante. Tudo isto, eu digo à minha Clara quando posso. Disse-o aos meus filhos, no tempo próprio, com os melhores resultado possíveis.
Jamais lhes poderia impingir uma destas T-shirts, por mais bonitas que pudessem ser. Conheço a força da palavra. Os especialistas em psicologia humana, também.
Embora estivesse cheia de mulheres, nem uma voz se ergueu para me apoiar naquela loja londrina. Suspeito que me olharam como se fosse meia louca, algo obcecada com ideias puritanas, pouco adequadas ao tumulto dos tempos.
Mas mesmo que a minha seja a última das vozes, fá-la-ei sempre soar em nome daquilo em que acredito. Pode ser que, de vez em quando, haja algum eco.

 

MARIANA INVERNO, Notas Diárias à Sombra dos Tempos

11 julho 2004

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OS BRAÇOS ÁGEIS DA POESIA

“A poesia é a expressão verbal correspondente a uma percepção de vida subtil e pluridimensional. Os seus ágeis braços tocam mundos e mundos insondados e devolvem-nos para o nível consciente uma espécie de auto-transcendência.
Instrumento expansivo de consciência, a poesia corresponde ao sentir, expresso no verbo sem as amarras da mente racional. Relembra algo que nos falta e que frequentemente não sabemos apontar e repõe a complexa beleza da manifestação, enquanto actua de forma misteriosa sobre a nossa subjectividade.”


MARIANA INVERNO



MARINA PETRO

QUE E' VOAR

Que é voar?
É só subir no ar,
levantar da terra o corpo, os pés?
Isso é que é voar?
Não.

Voar é libertar-me,
é parar no espaço inconsistente
é ser livre, leve, independente
é ter a alma separada de toda a existência
é não viver senão em não-vivência.

E isso é voar?
Não.
Voar é humano
é transitório,momentâneo...
Aquele que voa tem de poisar em algum lugar:
isso é partir
e não voltar.


ANA HATHERLY


JOSEPHINE WALL

Quem me roubou o tempo que era um
quem me roubou o tempo que era meu
o tempo todo inteiro que sorria
onde o meu Eu foi mais limpo e verdadeiro
e onde por si mesmo o poema se escrevia


SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN (1919-2004)





10 julho 2004

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ESCREVER HUMILDADE TECNICA

Essa incapacidade de atingir, de entender, é que faz com que eu, por instinto de... de quê? procure um modo de falar que me leve mais depressa ao entendimento. Esse modo, esse "estilo"(!),já foi chamado de várias coisas, mas não do que realmente e apenas é: uma procura humilde. Nunca tive um só problema de expressão, meu problema é muito mais grave: é o de concepção. Quando falo em "humildade" refiro-me à humildade no sentido cristão (como ideal a poder ser alcançado ou não); refiro-me à humildade que vem da plena consciência de se ser realmente incapaz. E refiro-me à humildade como técnica.


ODILON REDON

Virgem Maria, até eu mesma me assustei com minha falta de pudor; mas é que não é. Humildade com técnica é o seguinte: só se aproximando com humildade da coisa é que ela não escapa totalmente. Descobri este tipo de humildade, o que não deixa de ser uma forma engraçada de orgulho. Orgulho não é pecado, pelo menos não grave: orgulho é coisa infantil em que se cai como se cai em gulodice. Só que orgulho tem a enorme desvantagem de ser um erro grave, com todo o atraso que erro dá à vida, faz perder muito tempo.

CLARICE LISPECTOR, A Descoberta do Mundo,
Editora Rocco - Rio de Janeiro, 1999.

08 julho 2004

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AS CONTAS QUE CONTAM

Sou. Muito diferente dos outros. Assim me dizem familiares, amigos, inimigos. Até a cara das pessoas desconhecidas na rua me transmite, muitas vezes, essa estranheza – admiração – reprovação, face ao meu ser.
Diz-mo o espelho e o facto de ter de levar quase sempre com a mesma frase introdutória, Interessante, conheço-a de algum lado…
Quem ou o que sou, afinal?
Hesse disse não haver qualquer realidade fora de nós próprios. Percebo e até concordo. A questão reside sobretudo na consciência que possamos ter do que está em nós, daquilo de que somos portadores, do que arrastamos todos os dias, ligado ao nosso veículo físico, por este estado tão desalinhado a que chamamos a vida no planeta Terra.
Outro dia, estive com uma mulher pequena, apagada, insegura. Quase feia. E, no entanto, houve uns inesperados momentos de “contacto” que me aproximaram alucinatoriamente dela. Não das palavras, que reflectiam a sua aparência, mas de um aveludado doce no olhar compadecido hesitante em mostrar-se. De um tom qualquer na voz, uma preocupação com o alheio, uma vontade de ser despojada para que “as contas que contam” possam bater certo.
Penso nela, às vezes. Gostaria de a rever.
Talvez que a sua diferença e a minha diferença sejam uma e a mesma coisa. Aparentemente nos antípodas uma da outra, andamos ambas afinal disfarçadas daquilo que parecemos ser aos olhos dos outros, de tabiques levantados sobre a essência. Projectam-se taipais de sombra sob a forma de circunstâncias e características externas pessoais. Tudo ilusão.
O que foi que me fez parar para olhar de novo esta mulher? A sua inépcia, as contradições, o discurso emaranhado, desinteressante? A compaixão no olhar escondido, avesso à observação dos outros? Ou será que o “contacto” se fez ao perceber que ela também sabia que há um tipo de contas muito arredado daquilo que a
lei e os empenhos tribais ditam. São, ambas sabemos, “as contas que contam” – esse impulso do coração a querer descodificar a aparência das coisas, a lembrar-nos uma face outra de tudo para além dos direitos e das legalidades.
A mim, quando assim ajo, acusam-me em geral de ser boa demais, de me deixar manipular pelos outros, quase sempre tão sabidinhos. Ou, então, de ser ou uma santa ou uma fraude.
A ela…à superfície tão diferente de mim, deve acabar por acontecer qualquer coisa de correspondente.
Assim, a realidade que está dentro de cada uma de nós não poderá ser tão desigual.
Sugiro-me procurar revê-la. A ver se me entendo melhor.
E às”contas que contam”...


MARIANA INVERNO, Notas Diárias à Sombra dos Tempos
Escultura: EVA ANTONINI

07 julho 2004

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TRANSMUTAR VELHOS PADRÕES

Muito já foi revelado aos homens acerca da possibilidade de a vida terrestre se unificar à vida cósmica, e hoje vivem-se tempos de preparação para que isso de facto se dê. Por esse motivo, energias encarregadas de transmutar velhos padrões estão disponíveis aos que sinceramente as buscam. Os que delas se aproximam devem despir-se de conceitos e expectativas, principalmente sobre a própria evolução. O contacto com elas traduz-se como um estímulo ao serviço e transforma o ser num canal doado por inteiro à consecução do propósito divino.

TRIGUEIRINHO, Encontros com a Paz,
Ed. Pensamento, 1993

05 julho 2004

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OS PERIGOS DO CULTO DA SOLIDÃO





Se protegeres com demasiada devoção o jardin secret da tua alma, ele pode facilmente começar a florescer de um modo excessivamente luxuriante, transbordar para além do espaço que lhe estava reservado e tomar mesmo pouco a pouco posse da tua alma de domínios que não estavam destinados a permanecer secretos. E é possível que toda a tua alma acabe por se tornar um jardim bem fechado, e que no meio de todas as suas flores e dos seus perfumes ela sucumba à sua solidão.

ARTHUR SCHNITZLER, RELAÇÕES E SOLIDÃO

03 julho 2004

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S O P H I A (1919-2004)




Foi-se. Começava a ser a hora.
Deixou-nos e à eternidade os seus poemas – íntimos, temerários, sentidos...
Voltarei sempre a ti, Sophia, através deles.
PAZ LUZ INESGOTÁVEL INFINITA LUZ PAZ



UM DIA

Um dia, gastos, voltaremos
A viver livres como os animais
E mesmo tão cansados floriremos
Irmãos vivos do mar e dos pinhais.
O vento levará os mil cansaços
Dos gestos agitados irreais
E há-de voltar aos nosso membros lassos
A leve rapidez dos animais.












Só então poderemos caminhar
Através do mistério que se embala
No verde dos pinhais na voz do mar
E em nós germinará a sua fala.





AUSÊNCIA

Num deserto sem água
Numa noite sem lua
Num país sem nome
Ou numa terra nua

Por maior que seja o desespero
Nenhuma ausência é mais funda do que a tua.




PORQUE

Porque os outros se mascaram e tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão
Porque os outros têm medo mas tu não
Porque os outros são os túmulos calados
Onde germina calada podridão
Porque os outros se calam mas tu não
Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo
Porque os outros são hábeis mas tu não
Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos










Porque os outros calculam mas tu não.


SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN (1919-2004)

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