ORDEM NASCENTE

Textos poéticos e filosóficos sobre a ordem nascente
A ordem nascente é ainda elusiva e periclitante. São muitos os profetas apocalípticos que auguram o fim dos tempos, e assim alimentam o medo no ser humano, facto que não pode bem servir a humanidade. Mas há, sem dúvida, crescentes indícios, vestígios, sinais que auguram o fim de um tempo, o ruir das estruturas... MARIANA INVERNO

31 março 2004

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AS LIMITAÇÕES DE ENTENDER




Não entendo. Isso é tão vasto que ultrapassa qualquer entender. Entender é sempre limitado. Mas não entender pode não ter fronteiras. Sinto que sou muito mais completa quando não entendo.
Não entender, do modo como falo, é um dom. Não entender, mas não como um simples de espírito.
O bom é ser inteligente e não entender.
É uma benção estranha, como ter loucura sem ser doida.
É um desinteresse manso, é uma doçura de burrice.
Só que de vez em quando vem a inquietação: quero entender um pouco.
Não demais: mas pelo menos entender que não entendo.


CLARICE LISPECTOR

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PODER E ETERNIDADE




É preciso confessar, o presente é dos ricos, e o futuro é dos virtuosos e dos capazes. Homero ainda vive, e viverá sempre; os recebedores de direitos, os publicanos, não existem mais: existiram algum dia? A sua pátria, os seus nomes são conhecidos? Houve arrecadores de impostos na Grécia? Que fim levaram essas personagens que desprezavam Homero, que só pensavam, na rua, em evitá-lo, que não correspondiam à sua saudação nem o saudavam pelo nome, desdenhavam associá-lo à sua mesa, olhavam-no como um homem que não era rico e apenas escrevia um livro?

O mesmo orgulho que faz alguém elevar-se altivamente acima dos seus inferiores, fá-lo também rastejar vilmente diante dos que estão acima de si. É próprio deste vício, que não se funda sobre o mérito pessoal nem sobre a virtude, e sim sobre as riquezas, cargos, crédito, e sobre ciências vãs, levar-nos igualmente a desprezar os que têm menos essa espécie de bens do que nós e a apreciar demais aqueles que têm uma medida que excede a nossa.

Há almas sujas, amassadas com lama e sujidade, tomadas pelo desejo de ganho e interesse, como as belas almas o são pelo da glória e da virtude: capazes de uma única volúpia, que é a de adquirir ou de não perder; ansiosas e ávidas pela décima prestação, a baixa dos preços, a queda do curso das moedas, mergulhadas e como que submersas nos contratos, títulos, pergaminhos. Gente dessa marca não é parente, nem amigo, nem concidadão, nem cristão, nem pode ser homem: é feita de dinheiro.


JEAN DE LA BRUYÉRE, OS CARACTERES

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ARTE E PAIXÃO



Para que a arte possa ser arte, não se lhe exige uma sinceridade absoluta, mas algum tipo de sinceridade. Um homem pode escrever um bom soneto de amor sob duas condições - porque está consumido pelo amor, ou porque está consumido pela arte. Tem de ser sincero no amor ou na arte; não pode ser ilustre em nenhum deles, ou seja no que for, de outro modo. Pode arder por dentro, sem pensar no soneto que está a escrever; pode arder por fora, sem pensar no amor que está a imaginar. Mas tem de estar a arder algures. De contrário, não conseguirá transcender a sua inferioridade humana.

Fernando Pessoa, HERÓSTATO

27 março 2004

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O MEDO



...por detrás da política, por detrás da autoridade, por detrás do Estado, por detrás das instituições, por detrás de tudo quanto existe de mais sólido, honesto e nobre, alojam-se a força e o medo. Percebo que as instituições são a energia congelada, são sonhos ensanguentados, e que a ideologia é sempre ameaça de morte.


DIEGO RIVERA

O que sabiam os alemães do nazismo? Nada? Não o creio. Claro que estavam em poder de uma potência colectiva terrível que arrasta e cega. Mas também quiseram acreditar nisso. Um mecanismo mental assustador.
...a mesma ideologia perversa, cruel, que se autojustifica da forma mais hipócrita, cria também entusiasmo, arrebatamento, amor, dedicação.
Estas forças monstruosas são indispensáveis para o desenrolar da história? São elas, exactamente elas, as potências constitutivas das igrejas, dos regimes? Sem estes sonhos, sem a sua capacidade de arrastar os seres humanos, sem aquela potência diabólica, não surgiria nada porque os homens não saberiam acreditar, sacrificar-se?
Os meus coetâneos vivem todos no âmbito de alguma ideologia. E estão satisfeitos, tranquilos, sentem-se bons, nobres, sem dúvidas. Acreditam que o mal e a violência são o produto da intervenção de um malvado qualquer. Eliminado este, o mal será arrancado do seu seio. Para sempre.
Eu sei que não é verdade.


FRANCESCO ALBERONI, As Nascentes dos Sonhos, Bertrand Editora, 2000

26 março 2004

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OPTIMIZAR



Ser optimista é bom, mas tem os seus perigos.
O optimista pode não perceber bem os problemas dos outros, pode não dar o verdadeiro valor ao mal.
Outra coisa é ter a capacidade de optimizar. Optimizar é tirar o melhor partido possível de tudo o que acontece, mesmo de uma catástrofe. Perante ela, quem sabe optimizar põe-se numa atitude positiva, anima os outros e reage bem. Mais vale optimizar que ser optimista.


Vasco Pinto de Magalhães,
Não Há Soluções, Há Caminhos





25 março 2004

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Se não houver uma revolução de consciências, se as pessoas não gritarem:”Não aceito ser apenas aquilo que querem fazer de mim”, ou não recusarem ser um elemento de uma massa que se move sem consciência de si própria, a Humanidade estará perdida.
Não se trata de regressar ao individualismo, mas há que reencontrar o indivíduo. Esse, o nosso grande obstáculo: reencontrar o indivíduo num tempo em que se pretende que ele seja menos do que poderia ser.


JOSÉ SARAMAGO, entrevista ao Diário de Notícias, 25 de Março de 2004

(Quadro: CATHERINE DE SAUGY)

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“À la fin, à la fin des fins, restera l’indestructible,
le trop léger pour mourir,
le trop fin pour brûler.

Autour de cela,
nous nous retrouvons,
vous et nous,

Ensemble.”


Christian Bobin
L’AUTRE VISAGE, Ed. Lettres Vives

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UM DIA QUE NÃO CHEGA






ando a inventar um dia
que não chega
desde o distante dia
em que nasci

tempo do não ruído
azul e violeta como os céus
numa pintura antiga

todos à escuta
de alguma coisa na linha muda do horizonte sem fim
alguma coisa que haveria de nos tocar
como a cor da terra
como sal de água espumosa e viva
na pele de alguém adormecido

um tempo
para entrançar
flores e esperança
nos membros soltos da mulher dançante
para abrigar
a luz e a sombra
na cova uterina dos princípios
um tempo
para juntar mortos e vivos
no mesmo mantra redentor

como
quando os cenários se apagam
no sentir do abraço
e tudo nos parece
desmedidamente
uma coisa só


MARIANA INVERNO

22 março 2004

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MANIFESTO POÉTICO À ORDEM NASCENTE






Um pouco mais de sol - eu era brasa
Um pouco mais de azul - eu era além...
(1)
Viajante do cosmos, pequeno-grande ser tolhido nas malhas de uma dimensão aprisionante, lembra-te que, agrilhoado em ti, vive o gérmen da tua libertação, na espera do teu ser em plenitude. Aprende que tudo é nada e nada é tudo e é contigo e por via de ti que correm todas as coisas eternamente, para cima e para baixo, em círculo e às avessas, tudo corre, viajante, no mesmo sentido único.
Diferente tudo e tudo igual. O Bem que é o Mal e o Mal que é o Bem. O claro que é escuro e o escuro que é claro. Num perpétuo rodopio de efeitos refeitos, desfeitos, trocados...

Apaga a minha flama, Deus,
Porque ela não serve para viver os dias
(2)
Reacenderei o fogo da minha vida à luz do que sei que vou saber,
sem que o saiba já. Não serve prosseguir do mesmo modo.
Anunciados nos portais da consciência surgem os reconhecíveis
mas trémulos contornos de um novo Amanhã...
Morro transmutada pelo nascer do novo Ser.

Eles não sabem que o sonho
É uma constante da vida
Tão concreta e definida
Como outra coisa qualquer
(3)
Pois eles não sabem que eu sou pássaro, nuvem
e a serpente alada que ascende aos céus.
Cruzo-me nos vazios cósmicos com os filhos das galáxias,
engolem-me vórtices e logo emerjo, coroada pelo bafo das estrelas,
pulsante, ágil, metáfora dos deuses,
canto azul translucente e ignoto
como o que só é pressentido...
Sonho ou escuto o eco inicial,
A voz antes de todas as vozes, se é que o foste...
Nenhuma palavra te define
Mas pulsas, imparável, no diálogo dos átomos que me formam
Na mais singela partícula de todas as coisas,
Pulsas vibrante, ó voz de outrora,
Voz do agora e de todo o porvir,
Misteriosa ligação entre céu e terra.

Eu queria mais altas as estrelas,
Mais largo o espaço, o Sol mais criador,
Mais refulgente a Lua, o mar maior,
Mais cavadas as ondas e mais belas
(4)
E por isso me aventuro no inesperado espaço/tempo
Do meu Eu/agora
nos enleados voos da catadupa de estrelas
Eco maior, repetititvo,
bate em uníssono com este meu coração dourado
donde brota imparável um azul líquido e firme
- céu aberto sobre o chakra coronário
dos meus meninos de oiro,
todas as crianças do mundo,
aquela que se me assemelha e a outra
cuja pele ou é noite ou é canela
em doce contraste com a minha.

Eles nem sabem nem sonham
Que o sonho comanda a vida
(5)

Beijo o coração das coisas, as tenras folhas,
o restolho seco que me ecoa
quando passo, vaga e breve,
sob escolta do espírito Natura
entre as árvores antigas
e me assombro.


Amo o infinitamente finito
e amo o impossivelmente possível
(6)
Mas nada pode já conter as minhas asas
A voz única do meu ser.
Tudo é passagem, tudo é viagem.
Vivo, respiro, enfim não adiada.

Mãos de heróis, sem fé, acobardadas
Puseram grades sobre os precipícios
(7)
Abro-me à vida que não sei, ainda que soluçante
na corda farpada que ousa intentar o paro
do passo do meu espírito.

Sou uma religiosa sem igreja,
Uma reclusa sem convento
(8)
Não tenho livros sagrados que me guiem,
Antes me encontro, dolorosa e firme,
na crista do final de uns tempos já só estertor
Baixai línguas de fogo,
limpai o que era dantes o credo,
talvez em tempos a própria salvação.
Em nada de estanque posso crer
porque a alma segue solta
no fluido impulso da própria vida
a libertar-se das amarras da contenção e do pretenso.

Corro com lobos(9), sou também loba,
como sou pomba e ave e lagartixa, minhoca verde,
casulo e aroma incerto.
Sou sombra e dor e mágoa.
Grito, dentro dos ventos,
alucinada pelos fascinantes contornos
desse impossível que me ensinaram a ignorar.
E se

Ogivas para o sol vejo-as cerradas(10)
Se desabam as vigas estruturais
se o meu canto livre sofre a punição dos tempos,
se a fome e a mortandade nos assolam
e nos encombrem o promissor reflexo da luz
com a ilusão da força
Restas-me tu, irmã
Sobras-me tu, irmão
Mãos, corpos, uns olhos da alma
que tudo em tudo agregam
como a própria vida.
Pois
Não há separação;
Não há diferença
Não há tempo nem espaço
No uno, sagrado e eterno lugar
Em que residimos afectuosamente
(11)
Partilharemos a última fruta
da macieira que alguém se esqueceu de arrancar,
entoaremos o som antigo que nos conforta,
ritmaremos os corpos, assim desvestidos da dor e dos suplícios
Restas-me tu, irmã
Sobras-me tu, irmão
Tu que espelhas a firmeza dos meus passos
e não vacilas, mas és bambu oscilante como eu
na incerta noite em que vivemos.
Quebra a gaiola, pássaro louco!

Não mais fronteiras, foge de mim
que a terra é curta, que o mar é pouco
que tudo é perto, princípio e fim.
(12)
Livrai-me, universo, das vozes que não criam
das que pouco ou nada expressam
e das mecânicas vozes a repetir o de sempre.
Amparai-me no meu destino sem rede
e, se fôr caso disso,
na ausência do pão, da água e dos afectos.
Apoiai o sentido íntimo desta rota
rumo ao mundo que desponta.

Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
(13)
Essa és tu, irmã
Aí resides, irmão, na imensurável Força...
Companheiros, pioneiros, conspiradores atentos
de uma ordem nascente, que há-de florir
como leitos de begónias na manhã nova.
Privilégios, amores, o teu destino
Não os compras, nem te vendes

E os teus gestos não buscam dividendos.(14)

Antes que tudo em tudo se transforme(15)
Recupere-se o fôlego e fique inscrito na hora
Quando a manhã brilhar refloriremos
E a alma possuirá esse esplendor
Prometido nas formas que perdemos.
(16)





MARIANA INVERNO,
Junho 2003


NOTAS

(1) Mário de Sá-Carneiro
(2) Clarice Lispector
(3) António Gedeão
(4) Florbela Espanca
(5) António Gedeão
(6) Álvaro de Campos
(7) Mário de Sá-Carneiro
(8) Rosa Leonor Pedro
(9) Referência a título de obra de Clarissa Pinkola Estés
(10) Mário de Sá-Carneiro
(11) Aldegice Machado da Rosa
(12) Fernanda de Castro
(13) Sophia de Mello Breyner
14) Sophia de Mello Breyner
(15) Fernando Pessoa
(16) Sophia de Mello Breyner



19 março 2004

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O Valor da Ingenuidade



O maior perigo que corre o ingénuo: o de querer ser esperto. Tão ingénuo que cuida, coitado, de que alguma vez no mundo o conhecimento valeu mais do que a ingenuidade de cada um. A ingenuidade é o legítimo segredo de cada qual, é a sua verdadeira idade, é o seu próprio sentimento livre, é a alma do nosso corpo, é a própria luz de toda a nossa resistência moral.
Mas os ingénuos são os primeiros que ignoram a força criadora da ingenuidade, e na ânsia de crescer compram vantagens imediatas ao preço da sua própria ingenuidade.
Raríssimos foram e são os ingénuos que se comprometeram um dia para consigo próprios a não competir neste mundo senão consigo mesmos. A grande maioria dos ingénuos desanima logo de entrada e prefere tricher no jogo de honra, do mérito e do valor. São eles as próprias vítimas de si mesmos, os suicidas dos seus legítimos poetas, os grotescos espanatalhos da sua própria esperteza saloia.
Bem haja o povo que encontrou para o seu idioma esta denunciante expressão da pessoa que é vítima de si mesma: a esperteza saloia. A esperteza saloia representa bem a lição que sofre aquele que não confiou afinal em si mesmo, que desconfiou de si próprio, que se permitiu servir de malícia, a qual como toda a espécie de malícia não perdoa exactamente ao próprio que a foi buscar. Em português a malícia diz-se exactamente por estas palavras: esperteza saloia.
Parecendo tão insignificante, a malícia contudo fere a individualidade humana no mais profundo da integridade do próprio que a usa, porque o distrai da dignidade e da atenção que ele se deve a si mesmo, distrai-o do seu próprio caso pessoal, da sua simpatia ou repulsa, da sua bondade ou da sua maldade, legítimas ambas no seu segredo emocional.
Porque na ingenuidade tudo é de ordem emocional. Tudo. O que não acontece com as outras espécies de conhecimento onde tudo é de ordem intelectual. Na ordem intelectual é possível reatar um caminho que se rompeu. Na ordem emocional, uma vez roto o caminho, já nunca mais se encontrará sequer aquela ponta por onde se rompeu.
O conhecimento é exclusivamente de ordem emocional, embora também lhe sirvam todas as pontas da meada intelectual.


Almada Negreiros (1893-1970), ENSAIOS

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O Grande Engano da Mediocridade




O grande engano da mediocridade! Este é um alerta para os nossos dias. O fácil, o imediato, o que dá para todos, o que passa por democrático, o que está "benzinho" e mediano, parece, tantas vezes, a solução. Não fazer ondas, ceder, ir pelo mais ou menos, vale tudo desde que não chegue cá o incómodo: este é o retrato dos desiludidos! Nivelar por baixo não é caminho, é engano.



Vasco Pinto de Magalhães, NÃO HÁ SOLUÇÕES, HÁ CAMINHOS

18 março 2004

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O LADO OBSCURO DA PSIQUE




O EGO QUE NÃO AGUENTA A SOMBRA
TAMBÉM NÃO AGUENTA A LUZ.

Aldegice Machado da Rosa, Memórias de Aldegice
,
Edição Art for All, 2001

Na LOJA ART FOR ALL poderá adquirir obras de Aldegice Machado da Rosa.



“O ego está... sobretudo ocupado com a sua própria defesa e com o prossseguimento das suas ambições. Tudo que interfira com isso tem de ser reprimido. Os elementos reprimidos tornam-se sombra. Muitas vezes estes são basicamente qualidades positivas.
Existem, a meu ver, duas sombras:
1) o lado obscuro do ego que é cuidadosamente escondido de si próprio e que o ego não assumirá a não ser forçado pelas dificuldades da vida;
2) o que tem sido reprimido em nós para que não interfira com a nossa egocentricidade e que, por muito diabólico que pareça, está basicamente relacionado com o Self.
Numa confrontação, Deus (Self) favorece a sombra e não o ego, porque a sombra, com toda a sua perigosidade, está mais perto do centro e é mais genuina.”


JOHN SANFORD, O Estranho Julgamento do Dr Hyde
Tradução de ALDEGICE MACHADO DA ROSA, 1995




“Transferir a nossa energia da oposição para o paradoxo é um grande salto na evolução. Um comprometimento com a oposição equivale a ser moído aos bocadinhos pela insolubilidade dos problemas da vida e das eventualidades a que estamos sujeitos. A maior parte das pessoas gasta a sua energia de vida sustentando este estado de guerra dentro de si.
Uma colossal quantidade de energia é desaproveitada pelas pessoas modernas na oposição à sua própria situação.Transformar oposição em paradoxo é permitir aos dois lados de uma questão que existam com igual dignidade e valor.”

ROBERT A. JONSON, OWNING YOUR OWN SHADOW
Tradução de ALDEGICE MACHADO DA ROSA, 1995





14 março 2004

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LIVRE PENSAMENTO



"No tempo em que era um jovem bastante precoce já me sentia impressionado com a futilidade das expectativas e lutas que muitos homens prosseguem sem descanso através da vida.
Para além disso, muito cedo descobri a crueldade dessa luta, que naquele tempo estava bem mais cuidadosamente mascarada pela hipocrisia e palavras bem sonantes do que hoje em dia. A mera existência do estômago condenava toda a gente a participar nela.
O estômago bem podia ficar satisfeito com tal participação, mas o mesmo não se passava com o homem enquanto ser pensante e sensível.
O primeiro caminho de saída era a religião, imposta a cada criança como máquina de educação tradicional. Assim, alcancei um grau de profunda religiosidade o qual, no entanto, chegou abruptamente ao fim por volta dos meus doze anos. Através da leitura de livros científicos populares, cheguei rapidadmente à conclusão de que muito nas histórias da Bíblia não podia ser verdade. A consequência foi uma orgia fanática de livre-pensamento aliado à impressão de que a juventude é intencionalmente enganada pelo estado através de mentiras; foi uma impressão marcante.
Desta experiência, nasceu uma desconfiança de todo o tipo de autoridade, uma atitude de cepticismo relativamente às convicções de qualquer ambiente social específico – atitude que nunca mais me deixou, embora mais tarde tenha vindo a ser temperada por uma melhor compreensão das conexões causais.
Tornou-se claro para mim que o paraíso religioso da juventude, assim perdido, fora uma primeira tentativa de libertação das cadeias do “meramente pessoal”, de uma existência dominada por desejos, esperanças e sentimentos primitivos. Lá fora estava esse mundo enorme, o qual existe independentemente de nós, seres humanos, e que se nos apresenta como um grande e eterno enigma, pelo menos em parte acessível para a nossa inspecção e pensamento.A contemplação deste mundo aparecia-me libertadora e muito em breve me dei conta que muitos seres que eu estimava e admirava haviam encontrado liberdade interior e segurança nessa busca. .(...)Compreender mentalmente este mundo extra-pessoal, no contexto das nossas capacidades, apresentou-se-me, meio consciente meio inconscientemente, como o objectivo supremo.
O caminho para esse paraíso não foi tão confortável e atraente como o conducente a um paraíso religioso; mas revelou-se digno de confiança e nunca lamentei tê-lo escolhido.”


ALBERT EINSTEIN (1879-1955), Autobiographical Notes,
Open Court Publishing Company, LaSalle and Chicago, Illinois, 1979
Tradução de Mariana Inverno


12 março 2004

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E G O Í S M O



“Os infelizes são os maiores egoístas porque, muito mais do que as pessoas felizes, só conseguem pensar em si mesmos. Ficam inteiramente absorvidos pela sua desventura à qual sacrificam todo o resto. Só quando a infelicidade diminui é que eles são capazes de imaginar e compadecer-se do mal dos outros.
A generosidade não é, como vulgarmente se crê, própria dos que sofrem; pode isso eventualmente acontecer com os que já sofreram. Mas nem tal é certo.”

ÉMILE CIORAN , Cahiers 1957 – 1972, Gallimard, Paris, 1997


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SACRIFÍCIO DO EGOÍSMO




"Os obstáculos que se opõem a uma nova e melhor ordem mundial para toda a humanidade podem ser resumidos em uma única palavra, egoísmo - egoísmo nacional, social, político, religioso, económico e individual.
Novos valores pelos quais viver são desesperadamente necessários se quisermos que o mundo - como o conhecemos - sobreviva. O egoísmo pode ser transcendido e a visão de um mundo melhor pode tornar-se um facto. É chegada a hora neste mundo interdependente para os indivíduos fazerem submergir seus interesses pessoais pelo bem do grupo; para o grupo ou grupos fundirem seus interesses pelo bem nacional; para as nações abandonarem seus propósitos e metas egoístas pelos interesses de correctas relações internacionais e o bem da humanidade como um todo.
Há uma crescente onda de aspiração voltada para melhores modos de vida para todos os povos do mundo. A consciência humana está abrindo-se para a impressão espiritual e a compreensão de que há desejáveis valores espirituais a serem construídos em cada aspecto da vida, sobrepondo-se ao materialismo que, há séculos, vem controlando a humanidade. Estes valores dizem respeito a atitudes da mente e do coração que determinam acções e criam as circunstâncias da vida diária.O sacrifício do egoísmo fortificaria os laços de compreensão entre os povos do mundo, através da substituição prática da cooperação internacional, tolerância mútua e partilha entre os povos e nações. Pode liberar os homens e mulheres de todas as nações da limitação para a libertação do medo e da necessidade, da liberdade de expressão e do credo religioso e da liberdade para expandirem-se mental e espiritualmente.


VALORES HUMANOS NA VIDA DIÁRIA
Chegará o tempo na história da raça humana em que será tão grande o número de pessoas despertas para os assuntos e valores mais subtis da espiritualidade, que as velhas atitudes e actividades se tornarão para sempre impossíveis de prosseguir.
A meta da nova ordem mundial é, seguramente, que cada nação, grande ou pequena (com minorias as quais serão dados direitos proporcionalmente iguais) buscarão sua própria cultura individual e trabalharão por sua própria salvação e, mais ainda, cada uma deverá desenvolver a compreensão de que é parte orgânica de um corpo único e tem que contribuir de forma consciente e inegoísta para esse todo. Essa compreensão já está presente nos corações de inúmeras pessoas em todo o mundo; isto traz para cada um a grande responsabilidade, que se for inteligentemente desenvolvida e sabiamente manipulada, levará a correctas relações humanas, a uma estabilidade económica baseada no espírito de partilha, e a um nova orientação de pessoa a pessoa, de nação a nação, e de todos ao supremo poder a que damos o nome de Deus.
Traduzidas em termos nacionais, essas formas de compreensão retiram o conflito e a competição de muitas das facetas da sociedade. Enquanto cada grupo lutar por si mesmo e pelo interesse próprio, não poderá haver harmonia social, tranquilidade, segurança ou unidade, nem liberdade ou bem-estar.
O valor humano fundamental hoje necessário, como base para uma vida melhor na sociedade em que vivemos, é o simples uso prático da energia da boa vontade. A boa vontade é uma atitude inclusiva e cooperativa da mente; é "amor em acção"; ela encoraja a justiça e integridade naqueles que possuem influência e autoridade. É verdadeiramente a pedra fundamental da sociedade humana, respondendo pelos valores da nova era.
Apoiemos em pensamento e acção aqueles que agem com boa vontade em benefício do "bem geral de todos os povos".


Maria Alice Lemgruber - Extraído do Caderno Avatar vol. 3 nº 2, FUNDAÇÃO AVATAR


10 março 2004

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O Milagre da Vida





Pode ser que um dia deixemos de nos falar...
Mas, enquanto houver amizade,
Faremos as pazes de novo.

Pode ser que um dia o tempo passe...
Mas, se a amizade permanecer,
Um de outro se há-de lembrar.

Pode ser que um dia nos afastemos...
Mas, se formos amigos de verdade,
A amizade nos reaproximará.

Pode ser que um dia não mais existamos...
Mas, se ainda sobrar amizade,
Nasceremos de novo, um para o outro.

Pode ser que um dia tudo acabe...
Mas, com a amizade construiremos tudo novamente,
Cada vez de forma diferente.
Sendo único e inesquecível cada momento
Que juntos viveremos e nos lembraremos para sempre.

Há duas formas para viver a sua vida:
Uma é acreditar que não existe milagre.
A outra é acreditar que todas as coisas são um milagre.


ALBERT EINSTEIN (1879-1955)

09 março 2004

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O HOMEM QUÂNTICO



“Há pensamentos que são infinitos. Numa época, em que se procura dissimular os que escapam ao automatismo imediato, os seres que se movimentam por detrás dos biombos da consciência, detêm segredos insuspeitáveis. A noção de universo, vulgarmente aceite, nada tem a ver com a possibilidade de situar o pensamento, num foco exterior ao próprio pensamento. Assim uma memória alienígena, ou seja, de fora para dentro, permite combinar no seio do universo um incalculável número de interpretações. No mundo finito, cada ser humano detém, pelo menos, uma interpretação. A mancha alastra-se e cobre espaços infinitos. Emerge então uma segunda medida do tempo que fecha naturalmente o quadrado da realidade. É nesta superfície que acontecem fenómenos inacreditáveis. A existência humana, apesar de se ter alargado a sua conceptualização até ao infinito, processa-se no interior de um cubo negro, de dimensões extremamente reduzidas. A ideia de um cubo, com apenas um metro de aresta, contendo a totalidade das manifestações registadas pelos sentidos humanos parece ser, no mínimo, absurda. No entanto, são inúmeros os exemplos históricos de situações absurdas que crescem e florescem no interior das necessárias civilizações humanas. O que torna possível experiências deste tipo é algo exterior ao próprio cubo. É, por assim dizer, a memória alienígena que se situa por trás do infinito. Assim, as realizações do ovo humano são gravadas na memória, no mesmo instante, em que esta ordena o movimento cúbico. Existe, portanto, uma simultaneidade nos dois pólos geradores de fenómenos. O paradoxal, nesta situação, é o facto da memória necessitar de uma fenomenologia para poder determinar e inscrever o devir. Ao contrário das operações realizadas no interior do cubo, e ordenadas por uma matemática local, a memória não actua separada, antes necessita de um campo que alimente a sua base de informações. A sua representação do absoluto transcende o próprio infinito. Nesta harmonia é mais fácil perceber a noção de individualidade, bem assim como a precaridade da existência. Singular o ser que pode ser dimensionado, enquanto um banal cubo negro, que contem no seu interior o universo, mas que à escala da dimensão humana dificilmente pode conter um homem de dimensões normais.”

RELATO DE UM HOMEM QUÂNTICO, Luís Miranda, 2003, Angelus Novus

05 março 2004

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COMPLEXIDADE HUMANA



Esses eus de que somos feitos, sobrepostos como pratos empilhados nas mãos de um empregado de mesa, têm outros vínculos, outras simpatias, pequenas constituições e direitos próprios - chamem-lhes o que quiserem (e muitas destas coisas nem sequer têm nome) - de modo que um deles só comparece se chover, outro só numa sala de cortinados verdes, outro se Mrs. Jones não estiver presente, outro ainda se se lhe prometer um copo de vinho - e assim por diante; pois cada indivíduo poderá multiplicar, a partir da sua experiência pessoal, os diversos compromissos que os seus diversos eus estabelecerem consigo - e alguns são demasiado absurdos e ridículos para figurarem numa obra impressa.

VIRGINIA WOOLF, in "Orlando"

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