ORDEM NASCENTE

Textos poéticos e filosóficos sobre a ordem nascente
A ordem nascente é ainda elusiva e periclitante. São muitos os profetas apocalípticos que auguram o fim dos tempos, e assim alimentam o medo no ser humano, facto que não pode bem servir a humanidade. Mas há, sem dúvida, crescentes indícios, vestígios, sinais que auguram o fim de um tempo, o ruir das estruturas... MARIANA INVERNO

13 março 2005

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QUANDO PATER ESCOLHE MÁTRIA

Se a pátria se derivara da terra, que é a mãe que nos cria,
havia-se de chamar mátria.

PADRE ANTÓNIO VIEIRA, SERMÕES




Na livraria do PROJECTO aparece todo o tipo de pessoas. Sempre lamento o facto de não dispôr de mais tempo para aí atender e confraternizar com os diferentes tipos humanos que por lá passam e cujo convívio enriquece a nossa experiência e alarga a nossa percepção da sociedade a que pertencemos.
Entre os habitués figura um senhor de idade avançada (anda pelos oitenta e tais, é viúvo, baixo, de feições regulares, sorriso doce e grande delicadeza) que por lá passa quase diariamente.
A amizade com o nosso grato visitante tem crescido com a livraria, pois desde a meia dúzia de livros iniciais até à presente oferta de títulos, distam uns poucos anos de apoio regular deste senhor. Com compras semanais. Com sugestões, com as suas histórias – é um homem culto e viajado que se reformou cedo para poder prosseguir a sua busca prioritária: o conhecimento - sobretudo com aquele rosto amável e palavras de estímulo a incentivar-nos na busca da excelência.
As pessoas sabem que este senhor tem muito conhecimento e fazem-lhe todo o tipo de perguntas. E ele, despretensiosamente, vai dando em folhinhas A4, recheadas da sua elegante caligrafia, as explicações pedidas.
No outro dia, topei por acaso, na secretária dum colega, com uma dessas folhinhas que, sem mais comentários, passo a trancrever aqui na íntegra.



mátria (lat.) madre: mãe. Substituição arbitrária do termo Pátria (lat. patria; de pater, pai).
-Embora se diga a Pátria (fem.), o nome Pátria vem de «Pai» e não de «Mãe», como legitimamente devia ser... (parece até haver nisto uma subalternação da mulher...). Então Natália Correia resolveu chamar «Mátria», em vez de «Pátria», a um seu programa televisivo , por lhe parecer mais lógico...
-A primeira pessoa a substituir arbritrariamente o termo Pátria pelo termo Mátria, foi o Padre António Vieira, chamado por Fernando Pessoa o imperador da língua portuguesa.
Patri: elemento (do lat. pater) de composição que traduz a ideia de pai, país e pátria.
Mátria – matriz: útero, lugar onde qualquer coisa se forma, gera ou cria, mãe d´água, fonte, manancial.
matriz = madre= útero.



-Apesar de alguns chamarem Poeta a uma poetisa que rivaliza com um grande poeta, é mais correcto dizer-se poetisa (fem.) e não poeta (masc.), mesmo que a poetisa esteja ao nível de um poeta genial.
«Quiz-nos parecer que poetisa é termo deprimente aplicado à mulher que rivaliza com Camões a tocar lira. Mulher assim merece barba, merece que se lhe chame poeta».

-Parece-nos mau feminino a supressão dos femininos. É considerar que só o homem tem direito ao génio (...)

«Em minha opinião, creio que chamar-se poeta a uma mulher, ainda que talentosa, não deixa de significar um certo «machismo».




Pois é. Não se deve nunca generalizar. Inesperadamente, da noite escura do obscurantismo e da ignorância, surge o exemplo de alguém como o nosso amigo!
A nossa esperança tem de se alimentar de referenciais como o visitante da nossa livraria. Nasceu e viveu homem numa sociedade patriarcal e machista, avessa ao progresso interior dos seus cidadãos (especialmente se eles fossem do género feminino). Soube, no entanto, apesar dos sinais contrários recebidos do meio, preservar o que de mais precioso nos deve orientar: a busca do conhecimento, iluminado pelo esplendor da alma.

Por isso, sendo pater, a sua inequívoca escolha foi mátria!

MARIANA INVERNO, Notas Diárias à Sombra dos Tempos

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