ORDEM NASCENTE

Textos poéticos e filosóficos sobre a ordem nascente
A ordem nascente é ainda elusiva e periclitante. São muitos os profetas apocalípticos que auguram o fim dos tempos, e assim alimentam o medo no ser humano, facto que não pode bem servir a humanidade. Mas há, sem dúvida, crescentes indícios, vestígios, sinais que auguram o fim de um tempo, o ruir das estruturas... MARIANA INVERNO

30 abril 2004

CounterCentral hit counter

C O M P A I X Ã O




A iniciação é a compaixão. A compaixão como jóia no próprio coração do Amor. Através dela todas as portas se abrem sem que seja necessário empurrá-las. Oh, não necessariamente as portas humanas tal como como são concebidas com a lógica e a consciência incarnada. A aproximação da Divindade, quer dizer o estabelecimento da harmonia perfeita do ser consigo mesmo e com o universo não se efectua nem pelo itinerário desejado nem no momento escolhido. Ela ri-se do tempo, dos acontecimentos e dos meios a utilizar.





O CONHECIMENTO NÃO É PROPRIEDADE DE NINGUÉM


A solidariedade é uma qualidade que falta muitas vezes àqueles que se viram para as realidades do Espírito. Cada um procura de tal modo preservar a sua autoridade sobre o seu pequeno grupo de discípulos, cada qual crispa-se de tal modo sobre o domínio no qual pensa atingir a excelência que tudo se separa lá onde as fronteiras se deveriam fundir ao sol...Não temais por conseguinte as palavras que agitam as Escolas petrificadas. O Conhecimento não é propriedade de ninguém. Ao suscitar intolerância e crítica, ele reduz-se a um simples saber intelectual.
Que cada um, pelo contrário, seja qual for a via escolhida, se empenhe em unificar, a dar-se conta das semelhanças para além das aparentes divergências.
A coesão última obtem-se pelo Amor.

ANNE et DANIEL MEUROIS-GIVAUDAN, Celui Qui Vient, Ed. Amrita, 1995

Quadro: Carrie MaKenna

29 abril 2004

CounterCentral hit counter

PORQUE NÃO SOUBE MERECER



Porque não soube merecer a glória, a mais suave
de me deitar a teu lado
e que o sangue a palavra
abolisse a diferença entre o meu corpo e a minha voz
porque te perdi
não sei quem sou


ANTÓNIO RAMOS ROSA

Quadro: Frida Kahlo

27 abril 2004

CounterCentral hit counter

SER HUMANO HOLÍSTICO

O problema básico actual é devido à inércia das instituições socio-culturais, económicas e políticas euroamericanas que provêm do passado e que recusam obstinadamente aceitar o posicionamento radicalmente novo do ser humano e das energias cósmicas, planetárias e biopsíquicas. Este novo tipo de posicionamento poderia por si só repolarizar a consciência colectiva da elite dirigente, administrativa e intelectual, e estabelecê-la num nível donde pudesse fazer ressonância com os conceitos universalistas e com as vibrações do mundo oculto.
Este mundo oculto pode agora apresentar-se sob uma luz algo diferente perante a mente de seres humanos capazes de pensar em termos planetários globais-humanos.


DANE RUDHYAR, Preparaciones Espirituales Para Una Nueva Era
Ed. HEPTADA, 1990


26 abril 2004

CounterCentral hit counter

A M A R


Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?

Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o cru,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.

Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
(1902-1987)

25 abril 2004

CounterCentral hit counter

MATRISMO


Acho que não vale a pena a mulher libertar-se para imitar os padrões patristas que nos têm regido até hoje. Ou valerá a pena, no aspecto da realização pessoal, mas não é isso que vem modificar o mundo, que vem dar um novo rumo às sociedades, que vem revitalizar a vida.
A mulher deve seguir as suas próprias tendências culturais, que estão intimamente ligadas ao paradigma da Grande Mãe, que é a grande reserva, a eterna reserva da Natureza, precisamente para os impôr ao mundo ou pelo menos para os introduzir no ritmo das sociedades como uma saída indispensável para os graves problemas que temos e que foram criados pelas racionalidades masculinas.
É no paradigma da Grande Mãe que vejo a fonte cultural da mulher; por isso lhe chamo matrismo e não feminismo.
É aquilo a que eu chamo o cansaço do poder masculino que desemboca no impasse temível do tal equilíbrio nuclear que criou uma situação propícia a que os valores femininos possam emergir, transportando a sua mensagem.


NATÁLIA CORREIA, in Diário de Notícias, 11-09-1983
(entrevista concedida a Antónia de Sousa)
Entrevistas a Natália Correia, Parceria A.M.Pereira, 2004





O SOL NA NOITE E O LUAR NOS DIAS



De amor nada mais resta que um Outubro
e quanto mais amada mais desisto:
quanto mais tu me despes mais me cubro
e quanto mais me escondo mais me avisto.
E sei que mais te enleio e te deslumbro
porque se mais me ofusco mais existo.
Por dentro me ilumino, sol oculto,
por fora te ajoelho, corpo místico.
Não me acordes. Estou morta na quermesse
dos teus beijos. Etérea, a minha espécie
nem teus zelos amantes a demovem.
Mas quanto mais em nuvem me desfaço
mais de terra e de fogo é o abraço
com que na carne queres reter-me jovem.


NATÁLIA CORREIA

23 abril 2004

CounterCentral hit counter

O GOSTO DO RISCO



A busca da Verdade é sem sombra de dúvida de uma grande exigência. Não chega ser-se íntegro e querer...É preciso ter, não somente o gosto do risco mas também lugar em si mesmo para esse risco. Se o nosso intelecto permanecer bloqueado por conceitos demasiado enraizados, os quais, não nos damos conta são essencialmente doutrinais, em qualquer área, então temos poucas hipóteses de dar um passo decisivo.
Temos sempre de nos permitir fazer o trabalho de casa. Esta parece-me ser uma regra de ouro do crescimento.




Parece-me certo que se os investigadores em psicologia ou em psiquiatria se abrissem à existência de outras frequências de vida que não a nossa e se não partissem do princípio que só o nosso mundo tangível tem o direito de ser citado, enormes progressos seriam feitos no domínio das doenças mentais e dos desiquilíbrios da personalidade. As noções de ilusão e delírio seriam então vistas a uma outra luz que nos esclareceria por acréscimo sobre a própria natureza do nosso universo.


DANIEL MEUROIS-GIVAUDAN, Les Maladies Karmiques,
éditions Le Perséa, Canada, 1999

22 abril 2004

CounterCentral hit counter

O MITO DO AMOR



Uma das limitações causadas pelo facto de negares a tua essencia espiritual é perderes os benefícios de possuir o ponto de vista mais amplo proporcionado por essa verdade.
Viver na ignorância foi algo apropriado no passado porque, se tivesses sabido mais, terias frustrado o jogo e invalidado parte da experiência que tinhas decidido fazer neste planeta. Chegou porém o momento de te propôr a resolução de grandes mitos.
O grande mito do amor consiste em que estás convencido de que podes amar alguém, alguma coisa ou, pelo menos, a ti mesmo.
Ninguém pode amar outro; tu não podes amar-te a ti mesmo, nem amar outras pessoas!
Sabes porquê? Porque o amor não é um fazer mas um permitir ser!
A energia a partir da qual o Universo está construído possui, em si mesma, uma qualidade: um deleite de ser. Trata-se da aceitação do direito de todas as coisas serem o que são, da alegria da expressão de todas as coisas, à medida que desfrutam do seu direito de ser.
Portanto, o amor não é algo que se possa fazer; é, sim, a resposta vinda de dentro, a uma frequência particular de energia que flui para dentro de ti e ressoa à tua volta, constantemente.
O amor consiste em te permitires sentir esta energia em relação a ti mesmo, em relação aos outros e ao Universo em geral.
Devido aos medos profundamente enraizados que a maioria das pessoas transporta nos seus campos, elas não são capazes de distinguir entre o amor e o medo. Por conseguinte, aquilo a que essas pessoas chamam amor, na verdade não passa de um intercâmbio manipulador de atenção e afectos.
A pessoa que não se ama a si mesma, ou que não pode fazê-lo (quer dizer, que não pode ver ou que não dá permissão à sua própria divindade), irá desesperadamente em busca de alguém que a faça sentir-se segura. E, quando vê esta segurança ameaçada, volta a cair na chantagem e no controlo emocionais através da retenção do afecto...em nome do amor!
O ódio, os ciúmes, etc., são os sinais de uma personalidade baseada no medo, que não pode sentir a energia do amor no interior dos seus campos.
Sente-te infinitamente amado pelas tuas dimensões mais elevadas, especialmente pelo eu-espírito. Descarta-te do medo de estares sozinho. Não estás só, nem nunca poderás vir a estar.



SERAPHIS BAY, Um Manual de Ascensão

20 abril 2004

CounterCentral hit counter

PENSADOR E PENSAMENTO

A ciência e a religião são como dois comboios movimentando-se na mesma direcção, sobre carris paralelos, num processo onde a religião se empenha na exploração do Pensador e a ciência na exploração do Pensamento.
Ambas se encontrarão num ponto onde os carris passam a ser um só. Poderá acontecer um choque tremendo ou, pelo contrário, pode ser que finalmente compreendam que Pensador e Pensamento são uma e a mesma coisa!
O princípio organizador do Universo e a energia que compõe o universo, físico e não físico, são a mesma coisa: um contínuo de energia consciente, vibrando em todas as frequências concebíveis e inconcebíveis, organizadas com uma beleza tal que a respiração se suspende.
E esta energia deleita-se no regozijo da sua criatividade.


SERAPHIS BAY, Um Manual de Ascensão

CounterCentral hit counter

O UNIVERSAL OPÕE-SE A QUALQUER ÉPOCA

É admissível que o génio não seja apreciado na sua época porque a ela se opõe; mas pode-se perguntar por que razão é apreciado nas épocas vindouras. O universal opõe-se a qualquer época, pois as características desta são necessariamente particulares; porque será então que o génio, que se ocupa de valores universais e permanentes, é mais favoravelmente recebido por uma época do que por outra?
A razão é simples. Cada época resulta da crítica da época precedente e dos princípios subjacentes à vida civilizacional da mesma. Enquanto que um só princípio está subjacente, ou parece estar subjacente, a cada época, as críticas desse princípio único são variadas, tendo apenas em comum o facto de se ocuparem da mesma coisa. Ao opor-se à sua época, o homem de génio critica-a implicitamente, integrando-se implicitamente numa ou noutra das correntes críticas da época seguinte.
Ele próprio pode produzir uma ou outra dessas correntes, como Wordsworth; pode não produzir nenhuma, como Blake, e contudo viver de acordo com uma atitude paralela à sua, surgida naquela época sem ser por um discipulado propriamente dito.
Quanto mais universal é o génio, mais facilmente será aceite pela época imediatamente a seguir, pois mais profunda será a crítica implícita da sua própria época. Quanto menos universal for, na sua universalidade substancial, mais difícil será o seu caminho, a menos que lhe aconteça coincidir com o sentido de uma das principais correntes críticas da época seguinte.


FERNANDO PESSOA, Heróstato
Quadro:Aleksey & Marina

16 abril 2004

CounterCentral hit counter

O TERCEIRO SEXO


CATHERINE DE SAUGY

Los seres humanos hemos clasificado el sexo de las personas de acuerdo a sus órganos genitales y no a sus mentes. Pero es una realidad que existan hombres que piensan actúan y sienten como mujeres y existen mujeres que actúan y piensan como hombres.

Lo importante de vivir en pareja es que haya comprensión, lealtad y amor. Si tu pareja te brinda esa seguridad puedes decir que eres feliz.

El mensaje para ustedes es que no descuiden su vida espiritual, porque en el plano espiritual no existe el sexo ni el color, somos luz, energía hermosa y pura.


Retirado de www.bigteacher.com

CounterCentral hit counter

A CONSCIÊNCIA DO CORPO

Os corpos fisicos dos seres humanos sâo entidades milagrosas, com consciência própria, que se autoregulam de uma forma extraordinária. Passas a vida arquitectando a consciência de acordo com as opiniões, tuas e alheias, acerca do teu corpo físico. De facto, através da ressonância, os pensamentos e as emoções que tu manténs acerca de ti mesmo possuem um enorme impacto sobre a consciência do teu corpo: o medo da doença ou da morte pode, literalmente, programá-lo para que adoeça.
O corpo sabe, por exemplo, o que deve fazer para que o coração bata, para que a digestão seja feita, para que se possa curar a si mesmo; também conhece os ciclos da lua, dos planetas e das estrelas, e constantemente se serve e se adapta a eles. Todavia, como é composto da energia consciente que foi “colhida” do imenso campo planetário...convém dizer que o planeta e o ESPÍRITO desempenharam um papel muito mais preponderante no teu nascimento do que os teus pais biológicos!


UM MANUAL PARA A ASCENSÃO
Seraphis Bay

14 abril 2004

CounterCentral hit counter

COMO É POR DENTRO OUTRA PESSOA




Como é por dentro outra pessoa
Quem é que o saberá sonhar?
A alma de outrem é outro universo
Como que não há comunicação possível,
Com que não há verdadeiro entendimento.

Nada sabemos da alma
Senão da nossa;
As dos outros são olhares,
São gestos, são palavras,
Com a suposição de qualquer semelhança
No fundo.



FERNANDO PESSOA, 1934


12 abril 2004

CounterCentral hit counter

NOVA HUMANIDADE

O Ser Humano* que nós propomos é alguém que pode valorizar a velhice, que pode não só entender o bem mas praticá-lo. É’ alguém que não será feliz enquanto não for feliz o último dos mortais; é alguém que não constrói unicamente a sua felicidade, mas também a felicidade dos outros.É um ser que sente uma espécie de bondade, uma atitude bondosa para com os outros seres humanos, as coisas, os animais, as plantas. Esse alguém pode crescer dentro de cada um de nós, como se fosse uma rosa. Aqueles que já têm esse ser esse ser humano novo dentro de si próprios sentem o perfume dessa rosa interior e vêem as coisas como as crianças, com um sentimento de beleza e de imortalidade.

JORGE LIVRAGA/DELIA GUSMAN, Porque Florescem As Seitas,
Ed. Nova Acrópole, 1ª edição, 1996


* Para maior coerência conceptual, tomou-se a liberdade de substituir no texto original o termo “homem” por “ser humano”.


O INAUDÍVEL



Com o tempo
todo o poeta se transforma em seu próprio espólio
mas nunca
nunca mais
se ouve o que é inaudível...


ANA HATHERLY, Itinerários
Quasi Edições, 2003



SOBREVIVER A SI MESMO



É a vida que se desliga de nós, não somos nós que nos desligamos dela. Retira-se pouco a pouco, e num belo momento percebemos que lhe estamos a sobreviver.

Em que momento começa um ser a sobreviver a si mesmo? Eis a questão que nos deveríamos colocar, a mais importante de todas as questões. Sentir-me-ia inclinado a acreditar que sobrevivemos a nós mesmos quando começamos a compreender, a identificar uma ilusão onde anteriormente acreditaramos existir uma realidade.


EMIL CIORAN, Cahiers 1957-1972
Gallimard, 1997

Tradução de Mariana Inverno

07 abril 2004

CounterCentral hit counter

A MORTE

Noite de teatro, em Londres. Peça de Samuel Beckett, esse irlandês difícil que soube levantar nos seus textos questões de rara profundidade, sem no entanto fornecer propriamente soluções para as mesmas.
ENDGAME, texto beckettiano monumental, magistralmente interpretado como é próprio dos ingleses, encheu a atmosfera e os olhos e o meu coração do medo que nos acompanha a quase todos no que se refere à velhice e aos males que lhe são próprios. Revi, num ápice, os momentos finais de seres a quem quis bem, de outros, só conhecidos, e surgiu a confirmação de que as pessoas morrem mal, descentradas, desligadas, em tormento, enfermas, pobres, feias, espécie de sombra amaldiçoada dos seres viçosos que um dia foram. Há uma quase obscenidade nas condições do final da vida dos seres humanos em geral, uma desistência forçada pela velhice, a doença, a falta de dinheiro, a ausência de amor e/ou os muitos males da alma. Tudo se parece agravar com a longevidade.
Não creio que tivesse de ser assim. Mas para o não ser, faltaria que as nossas sociedades permitissem a emergência do indivíduo no seu potencial esplendor. Sem rótulos antecipados, livre e consciente da sua ligação com a transcendência, consciente do seu ser maior.
Tal como Beckett, não tenho soluções. Só vislumbres. Flashes de um mundo mais equilibrado, mais justo, mais inocente. Onde se poderia envelhecer com dignidade, onde o ocaso da vida traria consigo o reconhecimento e a compensação (também de ordem material) a que as mais valias da maturidade e da experiência por força deveriam dar origem.

Cedo para tal. A humanidade é ainda e só uma criança mal orientada, imediatista e egocêntrica.
O inimigo vive em casa.
Esperemos que não seja tarde, afinal.


MARIANA INVERNO
Notas Diárias à Sombra dos Tempos

Quadro: Jim Barry

06 abril 2004

CounterCentral hit counter

HORA ABSURDA


Chove ouro baço, mas não no lá-fora…E em mim…Sou a Hora,

E a Hora é de assombros e toda ela escombros dela…


FERNANDO PESSOA (1888-1935)



04 abril 2004

CounterCentral hit counter

EM NOME DO AMOR

Busco estar só pois doutra forma não consigo eliminar os ruídos periféricos. Nem mesmo na rua. Por vezes são vozes, outras só olhares.
You are so beautiful, where do you come from? Do inferno, doutro planeta, sei lá. Deve ser isso, pois aqui na Terra tenho tido dificuldades em que entendam o que eu quero dizer.
Pior ainda, no que se refere ao comportamento. Então, retiro-me. Preciso urgentemente de contactar a essência para me assegurar de que ainda lá está e que corresponde às palavras e a estes gestos que não logro conter, mesmo quando de mim duvidam.
Revejo tudo, mas não me lembro de nada quando me aproximo de mim. Como se véus intencionais baixassem sobre o detalhe e eu me fixasse apenas no bater do meu coração...triste, triste como só ele.
Sonhaste com quem, com quê? Tonta donzela, saída de uma braçada de lírios do vale, tenros e poéticos como um brotar expontaneo. Quem te iniciou na sequência louca da vida e dos afectos esqueceu-se de te avisar que do vale das sombras espreitam sempre os cruzados do extermínio, aqueles que esmagam o que não podem possuir. Vivem encapuçados, nos cantos sombrios dos seres humanos e, chegada a hora, não se ensaiam para carregar a fundo.
Tudo em nome do amor. Do verdadeiro. Do legítimo. Daquele que sempre existiu entre pessoas normais, dizem.
Para abrir uma porta, há que fechar todas as outras.
Só na concentração exaustiva num único ser se pode dar o salto.
Mais para mim, mais para aqui.
A todas as horas, o que fazes, o que dizes, o que sentes, o que sonhas.
Conta. Assume. Não omitas nada. A confiança alimenta-se de tudo isto. Dizem.

Devo ter nascido a uma hora inexistente, algo soprou na direcção inesperada e surgi eu, espécie de cardo exótico, ouriçinho magoado, fraude para alguns....

De outro modo alinhavar os dias, reinventar o ser, cuspir na terra o sangue que me sufoca. Não me deixem cair, forças do cosmos, trago recados que não sei ainda passar, preciso de conviver com quem me chama mas me não entende.
Em boa verdade, nem sei o quê ou se há algo para entender.
A cor dos meus olhos é imutável, os cruzados do extermínio resistentes como só eles.
Fadiga milenar. Choro de sempre..
Para onde me conduzes, pergunto eu. A mim.


MARIANA INVERNO, Notas Diárias á Sombra dos Tempos
Quadro: Georgia O'Keefe

03 abril 2004

CounterCentral hit counter

ENTREGA AO DESCONHECIDO

Enfim, enfim quebrara-se realmente o meu invólucro, e sem limite eu era. Por não ser, era. Até ao fim daquilo que eu não era, eu era. O que não sou eu, eu sou. Tudo estará em mim, se eu não for; pois "eu" é apenas um dos espasmos instantâneos do mundo.Minha vida não tem sentido apenas humano, é muito maior - é tão maior que, em relação ao humano, não tem sentido. Da organização geral que era maior que eu, eu só havia até então percebido os fragmentos. Mas agora, eu era muito menos que humana - e só realizaria o meu destino especificamente humano se me entregasse, como estava me entregando, ao que já não era eu, ao que já é inumano.
E entregando-me com a confiança de pertencer ao desconhecido. Pois só posso rezar ao que não conheço. E só posso amar à evidência desconhecida das coisas, e só me posso agregar ao que desconheço. Só esta é que é uma entrega real.


CLARICE LISPECTOR, A Paixão Segundo G.H
Quadro da autoria de VERONE

BlogRating