ORDEM NASCENTE

Textos poéticos e filosóficos sobre a ordem nascente
A ordem nascente é ainda elusiva e periclitante. São muitos os profetas apocalípticos que auguram o fim dos tempos, e assim alimentam o medo no ser humano, facto que não pode bem servir a humanidade. Mas há, sem dúvida, crescentes indícios, vestígios, sinais que auguram o fim de um tempo, o ruir das estruturas... MARIANA INVERNO

30 setembro 2004

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TURISMO GALÁCTICO

O britânico Sir Richard Branson, fundador de VIRGIN, anunciou há dias a criação de mais uma unidade a acrescentar ao seu cada vez mais diversificado grupo: a VIRGIN GALACTIC. Esta nova empresa propõe-se realizar os primeiros voos comerciais para o espaço, já no ano de 2007. Como em tudo o resto, inicialmente os bilhetes para estas aventuras espaciais sairão a preços proibitivos para quase toda a humanidade terrestre: £ 115,000 (c. € 173,000, ou seja, qualquer coisa como 35.000 contos), por cabeça. Não são ainda conhecidos detalhes sobre o que este valor poderá cobrir para além do assento na máquina voadora.


Já começaram as reacções, muitas mais se sucederão. Em linhas gerais, as críticas andam sempre à volta de todos os problemas que temos aqui na terra e que devemos solucionar antes de nos aventurarmos em expedições turísticas ao espaço.

Compreensível. E legítima, a preocupação.
Mas, será que a caminhada humana pode alguma vez seguir uma linha totalmente lógica e que cada nova etapa de desenvolvimento se siga a outra cujos problemas ficam todos resolvidos?
Mais do que as aventuras galácticas de Sir Richard Branson e do facto de alguns dos ricos deste mundo irem em breve dispender uma pequena fortuna nas suas passeatas pelo espaço, preocupam-me os biliões que nós, os de pés firmemente plantados no solo terrestre, continuamos a gastar na invasão de países, no subsidiar de projectos megalómanos de grandes e pequenas potencias (os quais apenas servem os interesses egocêntricos de uns poucos privilegiados e aumentam a manipulação dos muitos anestesiados) e, a uma escala mais reduzida, as somas astronómicas que são investidas na nova religião do mundo: o futebol.


Haja lucidez: daqui…só para o espaço, pelo menos em termos físicos, claro. Toda a literatura e mais artes de ficção científica anunciam esse facto incontornável. Resta-me desejar que o façamos com uma consciência apurada dos nossos problemas reais, que são de todos, e na certeza de que, se os não resolvermos aqui, connosco viajarão para o espaço.



MARIANA INVERNO, Notas Diárias à Sombra dos Tempos

25 setembro 2004

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DEUS, INTELIGÊNCIA E AMOR


Existe um Deus que é o conjunto de tudo quanto apercebemos no Universo. Tudo o que existe contém Deus, Deus contém tudo o que existe. Pode-se, sem blasfémia, considerar, falar não de Deus mas apenas do Universo, com Espírito e Matéria, formando um todo indissolúvel. A doutrina de Deus, tal como a pôs Cristo, permite considerar todas as religiões como boas, embora em graus diferentes, todos os homens como religiosos. Não poderá, portanto, fazer-se em nome de Deus qualquer perseguição: todo o homem é livre para examinar e escolher; a maior ou menor capacidade de exame e o resultado da escolha serão, em qualquer caso, a expressão do que ele é e do máximo a que pode chegar segundo as suas capacidades.

A visão mais alta que podemos ter com Deus, nós que somos apenas uma parte do Universo, é uma visão de Inteligência e de Amor; os pecados fundamentais que o homem poderá cometer são as limitações da Inteligência ou do Amor: toda a doutrina estreita, sem tolerância e sem compreensão da variedade do mundo, toda a ignorância voluntária, todo o impedimento posto ao progresso intelectual da humanidade, toda a violência, todo o ódio, limitam o nosso espírito e o dos outros, impedem que sintamos a grandeza, a universalidade de Deus.

Deus não exige de nós nenhum culto; prestamos a nossa homenagem a Deus, entramos em contacto pleno com o Universo, quando desenvolvemos a nossa inteligência e o nosso Amor: um laboratório, uma biblioteca são templos de Deus; uma escola é um templo de Deus, e o mais belo de todos. Todos podemos ser sacerdotes, porque todos temos capacidades de Inteligência e de Amor; e praticamos o mais elevado dos cultos a Deus quando propagamos a cultura, o que significa o derrubamento de todas as barreiras que se opõem ao Espírito. Estão ainda longe de Deus, de uma visão ampla de Deus os que fazem consistir o seu culto em palavras e ritos; mas dos que subirem mais alto não pode haver outra atitude senão a de os ajudar a transpor o longo caminho que ainda têm adiante. Ninguém reprovará o seu irmão por ele ser o que é; mas com paciência e persistência, com inteligência e com amor, procurará levá-lo ao nível mais alto.

Para que possa compreender Deus, para que possa, melhorando-se, melhorar também os outros, o homem precisa de ser livre; as liberdades essenciais são três: liberdade de cultura, liberdade de organização, social, liberdade económica. Pela liberdade de cultura, o homem poderá desenvolver ao máximo o seu espírito critico e criador; ninguém lhe fechará nenhum domínio; ninguém impedirá que transmita aos outros o que tiver aprendido ou pensado. Pela liberdade de organização social, o homem intervém no arranjo da sua vida em sociedade, administrando e guiando, em sistemas cada vez mais perfeitos à medida que a sua cultura que a sua cultura se for alargando; para um bom governante, cada cidadão não é uma cabeça de rebanho; é como que o aluno de uma escola de humanidade: tem de se educar para o melhor dos regimes, através dos regimes possíveis. Pela liberdade económica, o homem assegura o necessário para que o seu espírito se liberte das preocupações materiais e possa dedicar-se ao que existe de mais belo e de mais amplo; nenhum homem deve ser explorado por outro homem; ninguém deve, pela posse dos meios de exploração e de transporte, que permitem explorar, pôr em perigo a sua liberdade de Espírito dos outros. No Reino Divino, na organização humana mais perfeita, não haverá nenhuma restrição de cultura, nenhuma propriedade. A tudo isto se poderá chegar gradualmente e pelo esforço fraterno de todos.

PROF. AGOSTINHO DA SILVA, A Doutrina Cristã, 1943

19 setembro 2004

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O PONTO DA VIDA, O PONTO DO AMOR


Se é certo que estamos num momento de viragem no que se refere à estrutura das sociedades e isso se reflecte com peso nos padrões de comportamento, que ensaiam a experimentação na busca do inovador, também é verdade que isso serve muitas vezes de pretexto para a desresponsabilização das pessoas perante a sua caminhada passada. Como é óbvio, inspira-me sobremaneira o novo, o diferente, sobretudo se corresponde a saltos interiores, mas não confundo esse facto com o que certas organizações ou personagens ditas da Nova Era que por aí proliferam (e, em muitos casos, prosperam) procuram semear.

Num aproveitamento infame do vazio das pessoas, da sua frustração e perda crescente de referenciais – próprios de uma mudança geral de paradigma – logram convencer os espíiritos mais fragilizados de que há que cortar tudo quanto nos prende ao passado (leia-se: nos é inconveniente) e fixarmo-nos nas grandes revelações (essas sim, “legítimas”!) que uma multidão de cartomantes, astrólogos, terapeutas e videntes de todas as origens nos comunicam na ambiência supostamente serena dos seus locais de trabalho.
Exactamente porque tenho uma consciência cada vez mais nítida de que se vai instalando uma nova ordem de valores, justamente porque luto no dia a dia – sobretudo em mim própria – para que nessa mudança prevaleçam sobretudo os valores espirituais, é que sinto este impulso de denúncia do pseudo-espiritualismo e, outro dia, desalentada e triste, escrevi, entre lágrimas, o texto seguinte.




Não subscrevo o abandono, eu que, como a loba, sempre desbravei novos caminhos, por instinto e por opção...

Não ponho e disponho das almas que a minha alma achou e que à minha trouxeram o alívio da memória primordial...

Não me conto fábulas - “a caridade começa em casa”, diz o povo...

Pois, irmão, não me foi dado abrir o teu coração para depois saltar para outra margem, em busca de novas gratificações e deixar-te suspenso num vazio qualquer.

Não confundamos “alhos com bogalhos” – é por demais fácil limpar o dossier
rasgar todas as folhas e começar de novo, na enganosa alvura do papel em branco.

Não me conto fábulas. Sou tudo o que sou, o que senti, amei, corri, cantei e chorei. Se te largo, irmão, é a mim que eu largo. Se te amo, irmão, é a mim que eu amo.

Se corto, rasgo, destruo, limpo o registo, é a mim que amputo. Em vão.

Falso recomeço o que ignora a fala íntima da alma e se conta histórias e se perde uma e outra vez , nos caminhos da realidade momentaneamente conveniente.

Chega sempre a hora do frente a frente com um nível único do ser aonde muitos poucos, além de nós mesmos, têm acesso.
É na hora crua desse balanço, despidas todas as máscaras, ultrapassada a ilusão de que somos outra coisa senão a coisa que somos, sem holofotes nem acessórios, sem efeitos especiais, que a alma chora baixinho, saudosa dessas outras que a puderam tocar num ponto nevrálgico, oculto e misterioso, inacessível para quase todos. Chamo a isso o ponto da Vida, o ponto do Amor. A esse eco raro devemos a nossa total lealdade.

Mentira que possamos amar todos sem excepção, que sejamos "eternamente apaixonáveis".
Mentira que as sombras se possam descartar, sem que as penetremos com as garras da coragem, sem que as assumamos através da dor e assim as transcendamos.
Mentira que se nos desfizermos das fotos, das cartas, dos incómodos souvenirs, a mágoa desapareça, como por encanto. Há tempos que os passes mágicos deixaram de me interessar, pois só tocam a superfície da vida. Lá nos fundos do ser, vai-se tudo acumulando e, mais cedo ou mais tarde...


Sei muito poucas coisas. Mas já vivi o bastante para resguardar com zelo os meus tesouros internos. Entre muito poucos outros, destaca-se o ponto da Vida, o ponto do Amor.


MARIANA INVERNO, Notas Diárias à Sombra dos Tempos

17 setembro 2004

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JANELA PESSOANA


Michelangelo, 1508-12


Multipliquei-me, para me sentir,
Para me sentir, precisei sentir tudo,
Transbordei, não fiz senão extravasar-me,
Despi-me, entreguei-me,
E há em cada canto da minha alma um altar a um deus diferente.



Antoine Watteau, 1718


Sentir é criar.
Sentir é pensar sem ideias, e por isso sentir é compreender, visto que o Universo não tem ideias. (...) Faz da tua alma uma metafisica, uma ética e uma estética. Substitui-te a Deus indecorosamente. É a única atitude verdadeiramente religiosa (Deus está em toda a parte excepto em si próprio).



Paul Gaughin, 1899


Sou o intervalo entre o que sou e o que não sou, entre o que sonho e o que a vida fez de mim, a média abstracta e carnal entre coisas que não são nada, sendo eu nada também.


Francisco de Goya y Lucientes, 1818


Sinto-me múltiplo. Sou como um quarto com inúmeros espelhos fantásticos que torcem para reflexões falsas uma única anterior realidade que não está em nenhuma e está em todas.

FERNANDO PESSOA (1888-1935)

15 setembro 2004

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RECADOS DE UM MESTRE INTERNO


Os Corpos
não aproximam as Almas.

São as Almas
que devem levar os corpos
a encontrarem-se.



A ilusão que nos leva a depender de alguém,
o equívoco que nos prende a quem diz nos amar,
é o próprio espelho da Fada-Má
que cada dia interrogamos:
diz-me espelho, sou a mais linda?
Há que partir o espelho
vencer a ilusão, a falsa segurança da Lua.
Quebrar a dependência
de quem nos mantemos dependentes
e que, por dependência nossa,
nos faz-de-espelho.


MARIA FLÁVIA DE MONSARAZ, Recados de Um Mestre Interno

12 setembro 2004

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C A T C H 22



A densidade. Busco com obsessão a densidade. Nos gestos, nos afectos, nas conversas, na palavra...
É como se a ligeireza e a superficialidade, o carácter tão efémero de quase tudo me repugnasse, como se representasse uma anti-vida.
Mas o que é que nós, humanos, fizemos da nossa existência? Da nossa oportunidade?
Tudo me entedia, me aborrece. A mim, que amo sobremaneira as fabulosas manifestações da vida, da energia pulsante nas artérias do ser!
Só pode ser porque a nível interno não detecto existência real nesta farsa que por aqui se movimenta à superfície, trata-se de um simulacro, de uma representação qualquer, um fraco holograma que já não consegue convencer...



Tenho tantas saudades da verdadeira alegria. Aquela que faz cintilar molhos de estrelas no olhar inocentemente seguro e aberto. Aquela que nos limpa de todas as cargas e nos dá alento para prosseguirmos. É feita de cumplicidade, companheirismo, identidade, entrega sem medos, ternura... representa tanta coisa que não é verbalizável.
Tenho saudades , se calhar, de outro holograma. Mais convincente... para a minha alma poética.
Também eu, na minha auto-percepção, me torno a ilusão de mim mesma. Se calhar nada existe, somos os pobres tontos iludidos pelo carácter sedutor da “missão”, do “cumprimento do ser” e dos “sentimentos profundos”...

Não obstante, tenho saudades. Da alegria. Da densidade. Do propósito. Da luz da Vida.
Catch 22.


MARIANA INVERNO, Notas Diárias à Sombra dos Tempos
Quadro: As Águas Primordiais, Liliana Piovano

10 setembro 2004

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P R E C I S Ã O, segundo Clarice...

O que me tranquiliza é que tudo o que existe, existe com precisão absoluta.
O que for do tamanho de uma cabeça de alfinete não transborda nem uma fracção de milímetro além do tamanho de uma cabeça de alfinete.
Tudo o que existe é de uma grande exactidão.
Pena é que a maior parte do que existe com essa exactidão nos é tecnicamente invisível.
O bom é que a verdade chega a nós como um sentido secreto das coisas.
Nós terminamos adivinhando, confusos, a perfeição.


CLARICE LISPECTOR (1925-1977)


07 setembro 2004

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I N V O C A Ç Ã O

Se comigo comunicas a nível profundo, ó tu, algures aí na multidão dos mil rostos, acerca-te deste meu corpo efémero para que te sinta.
Nesse lugar sem coordenadas onde nos reencontramos, espelhas a minha insatisfação existencial, a grande, a por vezes convulsiva saudade de algo mais...
No reconhecimento recíproco, mais além das fronteiras da individualidade, invade silenciosamente o nosso interior a deslizante percepção de uma realidade íntima, que é doce e envolvente, sacralizada e difusa, fora do tempo e do espaço, marcada por um ritmo vibratório que é a um tempo som e luz em harmonia.

Segue-me, ó tu do olhar manso, segue-me para além dos dois princípios nesse regresso às origens que antevejo por via do amor pleno e absoluto. O amor que abre a disponibilidade infinita no nosso ser, que é livre das aprisionantes garras da posse e tudo inunda, galgando as margens dos sentidos físicos.
Encerrado no coração das células vive o Segredo. Aí jaz encarcerada a cor da nossa libertação e só pelo reencantamento se hão-de abrir os portais do que foi esquecido.

Acerca-te, ó tu do meu devir, assiste-me no resgate da alma e da consciência, convoco-te para que construamos, lado a lado, pontes entre o céu e a terra. Anseio tecer a arte de morrer para o conhecido e, assim, desafio-te a que cresças comigos asas e raízes congruentes com o ser.
Quero aceitar a confrontação com o imperfeito, transmutar os medos, crescer na direcção da completude.

Ser, ser, ousar ser...
Seguir com fé os indícios...
Ó tu do olhar manso, ó tu do meu devir, ó tu aí algures na multidão dos mil rostos...
A minha alma invoca-te!


MARIANA INVERNO, Notas Diárias à Sombra dos Tempos
Quadros: AMOR(1887) e MY SOUL AND I (1894) de SIMEON SOLOMON.

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EU SOCIAL e EU ESPIRITUAL

Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: «vem por aqui»!
(...)
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um atomo a mais que se animou...
Não se por onde vou,
Não sei para onde vou,
-Sei que não vou por aí!


JOSÉ RÉGIO, Poemas de Deus e do Diabo (excerto)



Têm de deixar de ouvir a sociedade. É a tarefa mais difícil, a maior ruptura que terão de fazer. Habitam em cada um de vós o Eu social e o Eu espiritual e precisam decidir qual dos dois é o sagrado.
Qual dos dois é a vossa fonte de autoridade?
Deixem que o vosso Eu intuitivo seja a vossa autoridade.
Permitam que o vosso Eu intuitivo seja o porta-estandarte da vossa experiência, a experiência que ninguém mais pode autorizar. A vossa experiência brota do compromisso que conhecem, mas de que nem sempre se lembram, e que um dia assumiram.
Se a vossa abordagem em todos os assuntos tiver a postura de que há uma ordem divina e um propósito divino em todas as coisas, mesmo que o vosso ego não o compreenda, deslocar-se-ão velozmente através das realidades.
Haverá muitas maneiras de vivenciar essa onda de liuz galáctica. Ela irá sem dúvida impulsionar todas as pessoas para uma versão alargada das suas maiores oportunidades.
A escolha será, obviamente, de cada um.


BARBARA MARCINIAK, Os Mensageiros do Amanhecer
Ed. Ground, São Paulo, 1992

04 setembro 2004

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PERDIDAS PALAVRAS




Quadro:SUZANNE GYSEMANN

Há uma espécie de crepúsculo de alma que se segue à dor, feito de mil cansaços, cor da sensação que o eco do soluço deixa no ar...
Todo o amor profundo se liga com a pulsão fundamental do ser, nada deve realmente contrariar o seu canto...
Repouso o meu olhar fluídico nas copas das árvores ternamente agitadas pela brisa do final de tarde. Lá longe rasga-se nos céus esse ventre de fogo colado ao horizonte donde brotam já perdidas as palavras que eram as minhas e se fundiram no nada. Não houve quem as escutasse, esvairam-se na extremidade dos dias, fugiram de mim montadas no olvido.
Inclina-te, coração, entrega o teu sopro à noite que vem chegando. Aninha-te sem temores na hora dos passos incertos, quando tudo se reencontra para além dos véus.

Todo o amor profundo se liga com a pulsão fundamental do ser, contra ele nada se pode, ninguém pode mesmo nada.
Inclina-te, coração! Permite ao teu olhar dorido a amplidão cósmica dos voos altos, deixa que espelhos distantes te devolvam o encanto perdido...

MARIANA INVERNO, Notas Diárias à Sombra dos Tempos



01 setembro 2004

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TRANSCENDER A BESTA

Sempre achei que era importante adormecer em paz. Sobretudo, entregar-me ao sono sem ira nem raiva contra fosse quem fosse. Já noutras partidas a minha alma deve ter aprendido os perigos desse tipo de energias à solta, manobradas pelo subconsciente enquanto a pessoa dorme, pois o impulso (nem sempre bem sucedido) de tentar acalmar os demónios da revolta e da cólera está bem vivo no meu ser.
Sobretudo numa pessoa de carácter intenso e passional como eu, torna-se por demais importante que se acalmem todos os vulcões, antes de me entregar ao sono reparador. Lia há dias, num texto sobre conhecimento esotérico, que se uma pessoa se deita sentindo-se injustamente encolerizada com alguém, a funda astral conhecida como “ka” pode sair dessa pessoa carregada de ira e dirigir-se contra a confiada vítima. Inclusive, sem que se esteja consciente disso, a ira que não conseguimos controlar pode ser um instrumento provocador de desgraças e até mesmo de morte súbita para o nosso próximo.
Como o ka não é governado pela mente consciente, ele realiza sem quaisquer limites os desejos instintivos, desenfreados e baixos do subconsciente. Disso não conserva a mente consciente qualquer lembrança, embora no processo o ser humano se torne kármicamente responsável por todo e qualquer mal infligido a outra pessoa.
Dá que pensar. E que acautelar. Com humildade e persistência.
Só pelo sopro divino do espírito se pode realmente transcender a besta que é, sobretudo, ignorância.

MARIANA INVERNO, Notas Diárias à Sombra dos Tempos

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