ORDEM NASCENTE

Textos poéticos e filosóficos sobre a ordem nascente
A ordem nascente é ainda elusiva e periclitante. São muitos os profetas apocalípticos que auguram o fim dos tempos, e assim alimentam o medo no ser humano, facto que não pode bem servir a humanidade. Mas há, sem dúvida, crescentes indícios, vestígios, sinais que auguram o fim de um tempo, o ruir das estruturas... MARIANA INVERNO

20 março 2005

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Convívio Quântico

És e não és. Estás e não estás.

Nada mexe lá fora. Os ramos da árvore grande em frente da minha janela, tesos e estéreis da seca, recortam-se com uma pontinha de desespero contra o céu, hoje de um cinza não suficientemente carregado para que a desejada chuva se anuncie.
Uma pomba branca equilibra-se airosa e breve, por uns instantes, sobre os fios do telefone. Pela janela entreaberta chega-me o som do tráfico, mais vagaroso e moderado do que habitualmente pois é domingo de manhã, o qual se mistura de forma incongruente com o trinado dos passarinhos.
A felicidade, neste preciso momento, é ser domingo de manhã, não haver escritórios, telefonemas, horas fixas para nada e ninguém na casa.
A felicidade foi tomar o pequeno almoço recostada na cama, enquanto ouvia distraídamente o programa de domingo do Júlio Machado Vaz e antecipava o gosto de escrever estas linhas.

Sinto-me feliz e sinto-me não feliz.



Estive ontem num casamento onde foi à mãe da noiva que calhou o ramo atirado pelo ar às cegas.
Achei muita graça. Sempre me dispôs bem o não ortodoxo, o fora do normal. É este impulso meu de fundo a querer romper com o rotineiro, o gasto, o obrigatório, o dogmático, o obsoleto. Só nele parece residir inovação, vida, esperança...
Por isso desfrutei tanto de rever Basarab Nicolescu, outro dia à noite, naquela palestra de formato cansativo (a pobre da tradutora, de bochechas vermelhas e transpiradas, exudava cansaço e alguma aflição, ao tentar traduzir o melhor que lhe era possível, o francês académico do filósofo para um português impreciso e pouco esclarecedor para quem não dominasse a língua francesa)!
Nicolescu e a transdisciplinaridade são um estandarte de luz nos obscuros e decadentes tempos em que vivemos. Ajuda -nos a dar o salto mais além da dualidade, do sistema binário de raciocínio e percepção, recupera e enuncia os contornos palpitantes e elusivos do sagrado na nossa subjectividade. Esta é hoje a via de esperança de reconversão da cultura da tecnociência, deshumanizante e árida, desprovida de espírito, que quer dominar o mundo num tempo em que, segundo Nicolescu (e muitos outros, incluindo eu própria) “assistimos ao assassinto da transcendência, como culminar do pensamento dual, binário”.

Não sou boa por não ser má.
Nem sou má por não ser boa.
Sou boa e não boa.
Sou má e não má.
Ao mesmo tempo.

És e não és.
Quero e não quero..
Estou e não estou.
Gosto e não gosto.

Sou A e sou Não-A.
Ao mesmo tempo.


MARIANA INVERNO, Notas Diárias à Sombra dos Tempos

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