JANELA PESSOANA
Sentir é criar.
Sentir é pensar sem ideias, e por isso sentir é compreender, visto que o Universo não tem ideias.
-Mas o que é sentir?
Ter opiniões é não sentir.
Todas as nossas opiniões são dos outros.
Pensar é querer transmitir aos outros aquilo que se julga que se sente.
Só o que se pensa é que se pode comunicar aos outros. O que se sente não se pode comunicar. Só se pode comunicar o valor do que se sente. Só se pode fazer sentir o que se sente. Não que o leitor sinta a pena comum. Basta que sinta da mesma maneira.
O sentimento abre as portas da prisão com que o pensamento fecha a alma.
A lucidez só deve chegar ao limiar da alma. Nas próprias antecâmaras do sentimento é proibido ser explícito.
Sentir é compreender. Pensar é errar. Compreender o que a outra pessoa pensa é discordar dela. Compreender o que a outra pessoa sente é ser ela. Ser outra pessoa é de uma grande utilidade metafísica. Deus é toda a gente.
Afirmar é enganar-se na porta.
Pensar é limitar. Raciocinar é excluir. Há muito que é bom penar, porque há muito que é bom limitar e excluir.
(...)
Substitui-te sempre a ti próprio. Tu não és bastante para ti. Sê sempre imprevenido por ti próprio. Acontece-te perante ti próprio. Que as tuas sensaçoes sejam meros acasos, aventuras que te acontecem. Deves ser um universo sem leis para poderes ser superior.
Faz de tua alma uma metafísica, uma ética e uma estética. Substitui-te a Deus indecorosamente. É a única atitude realmente religiosa. (Deus está em toda a parte excepto em si próprio.)
Faz do teu ser uma religião ateísta; das tuas sensações um rito e um culto...
FERNANDO PESSOA, Textos Íntimos
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