ORDEM NASCENTE

Textos poéticos e filosóficos sobre a ordem nascente
A ordem nascente é ainda elusiva e periclitante. São muitos os profetas apocalípticos que auguram o fim dos tempos, e assim alimentam o medo no ser humano, facto que não pode bem servir a humanidade. Mas há, sem dúvida, crescentes indícios, vestígios, sinais que auguram o fim de um tempo, o ruir das estruturas... MARIANA INVERNO

26 abril 2005

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NORMOSE - O PODER CASTRADOR DA NOSSA SOCIEDADE

As emoções destrutivas ligadas à cultura, matam em nós mesmos a harmonia e a paz de nossa sabedoria primordial.
PIERRE WEIL



O poder castrador de nossa sociedade não é de ordem sexual, como afirmava Freud, mas sim, espiritual e seu nome é: normose - a patologia da normalidade. Ela impõe a sociedade, uma cultura do sucesso, sendo que o fracasso e o ostracismo são uns dos maiores medos do normótico, que busca por segurança em estados temporários e ilusórios, nos objetos exteriores, em conquistas e sucessos efêmeros não sabendo que a verdadeira segurança é uma condição subjetiva, resultado de uma experiência transpessoal, que se revelará de forma espontânea e natural no momento do despertar da verdadeira consciência. O desastre é eminente para o normótico que faz depender a sua segurança das parafernálias externas e não da paz da vida interna, a qual não depende das circunstâncias da vida externa.
O normótico vive fazendo investimentos e seguros para sua vida, mas não investe na espiritualidade, sendo esperto por alguns momentos, mas um tolo a longo prazo, pois leva muito tempo para ele constatar que o acúmulo de riquezas, prestígio e poder é apenas uma troca, e não o fim, da sua falta de segurança. Em sua busca insana pela segurança financeira, o normótico perde sua saúde para depois pagar de bom gosto tudo o que conquistou para ter novamente sua saúde física, mental e emocional. Na tentativa de conquistar a "pseudo-segurança" para a sua vida, o normótico esquece de vivê-la e como resultado vive num desespero silencioso, precisando às vezes chegar ao topo da escada do sucesso, para amargamente descobrir que a mesma estava encostada na parede errada.

20 abril 2005

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HABEMUS PAPAM!



Era de esperar...
Ninguém no seu sentido perfeito poderia sequer imaginar que num processo tão decadente, obsoleto e claustrofóbico como é o da Igreja Católica, aparecesse neste momento de grande viragem da consciência, alguém de amplos horizontes a querer abraçar todo o mundo por igual, independentemente de credos ou religiões, raça ou estatuto social!

Todas as religiões foram sempre uma forma de controle, de aprisionamento das almas. Historicamente até pode ter feito sentido, mas o Tempo é outro hoje. A “receita” católica convence cada vez menos e um ser inflexível e descriminatório, ortodoxo e puramente intelectual como Ratzinger, aliás, Papa Benedito XVI, vai desempenhar pura e simplesmente um papel de superfície, firmemente colocado naquilo que nem lhe passa pela cabeça ser o processo involutivo do catolicismo, ou seja, a precipitação do fim da Igreja Católica..

Que Ratzinger é um homem profundamente culto (publicou 40 livros até hoje) e dedicado ao seu trabalho, não parece haver dúvidas, mas como eu ontem dizia a um taxista madrileno, surpreendido com a minha não aprovação da escolha, “nos tempos que correm, mais do que nunca, há que não confundir intelecto com coração”. E mbora no seu discurso haja, muitas vezes palavras de aparente conciliação e abarcância universal, será bom não esquecer o fundamentalismo deste cardeal alemão, hoje Papa, cujo léxico pessoal ostenta estandartes como os da intolerância, exclusão das mulheres de um sacerdócio que ancestralmente lhes pertenceu, negação do direito ao divórcio, recusa de rever questões como o celibato obrigatório dos sacerdotes, o direito ao aborto, o uso de anticonceptivos, a eutanásia. Este homem proclama igualmente a total condenação da homosexualidade e da sua “legalização” social através do casamento, recusou pelo menos no passado autorizar a teologia da libertação, devolvendo a liberdade de expressão aos 140 teólogos condenados nos últimos anos. Finalmente, afirma de forma peremptória que há uma Verdade Religiosa Única, a Católica Apostólica Romana que há-de salvar aqueles que a seguirem.

Este senhor tem a ousadia de, nos dias de hoje, ser capaz de pensar e afirmar publicamente coisas como esta: Cristo é totalmente diferente de todos os fundadores de outras religiões, não pode ser reduzido a um Buda, a um Sócrates ou a um Confucio. Cristo é realmente a ponte entre o céu e a terra, a luz da verdade que nos apareceu. O Dom de conhecer a Jesus não significa que não haja fragmentos de verdade noutras religiões. Na luz de Cristo, podemos instaurar um diálogo fecundo com um ponto de referência no qual podemos ver como todos estes fragmentos de verdade contribuem para o aprofundamento da nossa própria fé e para uma autêntica comunhão espiritual da humanidade.

Quase me falta o ar ao acabar de transcrever esta passagem! Mas como é possível, no século XXI, alguém, ainda que Papa de pouco mais de metade dos cristãos no mundo (cerca de mil cento e vinte milhões – todos os cristãos em conjunto perfazem dois mil cento e trinta e cinco milhões, aproximadamente), tenha a arrogância suficiente para defender posições como esta?
O defensor da ortodoxia face aos ventos de mudança que se anunciam por todos os lados conta seguramente com a sua força mental e ao que parece grande autoridade teológica para seguir, como ele diz, o caminho traçado por João Paulo II. O qual, não tenhamos ilusões, em muito pouco diferia do de Ratzinger. Mas falta a este último o calor humano e a simpática face de peregrino que eram características inquestionáveis do primeiro.
Ratzinger tem a força germânica (infelizmente de má memória) e, tal como outros no passado, pensará que através dela poderá possuir o mundo, ganhá-lo para a sua causa religiosa. Essa é, quanto a mim, a sua maior limitação.
Neste momento de rotura paradigmática com o passado, o ser humano e o seu fabuloso potencial serão, como diz Roberto Crema, a grande descoberta do séc. XXI. O ser humano vai (está a) descobrir a força divina dentro de si, a qual representará a tão almejada autonomia face aos poderes instituídos, caducos e obsoletos.
A fé para ser Fé terá de ser em si mesmo, na sua capacidade de se ligar de forma clara e pura às grandes forças cósmicas. Para isso, não há que fazer vénias a outrém nem subjugar as grandes decisões da sua vida aos supostos representantes de Deus na Terra.
Há sim que trabalhar em cada momento na consciência, no despoluir do pensamento, na descodificação dos outros reinos que acompanham o ser humano na sua ainda brevíssima passagem pelo planeta. Para isso, é também fundamental andar de mãos dadas com a ciência, mas uma ciência imbuída da religiosidade, da reverência ao todo, numa palavra da transdisciplinaridade que faltaram no passado.
A óptica é outra, e numerosos são os meios postos à nossa disposição. Que não incluem, com o devido respeito, os Ratzingers deste mundo, nem o conservadorismo, nem a aceitação passiva das fórmulas que nos procuram impingir.

Habemus Papam! E ele chama-se Joseph Ratzinger.
Era de esperar!
Vamos a ver quão rigorosa foi a profecia de Nostradamus...


MARIANA INVERNO, Notas Diárias à Sombra dos Tempos

17 abril 2005

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Mudar o Mundo

“A VOZ DOS CIDADAOS PODE MUDAR O RUMO DO MUNDO.
O dever dos media é predicar e dar voz aos que a não têm para conseguir transpor o abismo de desigualdades em que vivemos.”


VICENTE FERRER,
ex-jesuíta de Barcelona,
precursor dos Programas de Desenvolvimento Integral
de Apoio aos mais pobres



Domingo de manhã. Afortunada e muito consciente de todos os meus privilégios, vim dar um longo passeio pelo belo Parque do Retiro, mesmo no coração de Madrid. Tocam ao longe, solenes e antigos, os sinos festivos de uma igreja, meia dúzia de crianças brincam na minha frente com uma bola multicolor. Passam casais e passam mulheres sós, umas novas outras mais entradas na idade, empurrando carrinhos de bébé. Gente de idade, de incongruentes ténis nos pés, exercitam os veículos físicos, já a dar de si.
Passam também jovens meio enigmáticos, em geral homens, altos e bem parecidos , de óculos escuros, jornal debaixo do braço, a dar a impressão de que só olham em frente, para além do que aqui se vê, e nada mais lhes interessa. Ciclistas, o chilrear dos passarinhos e este verde de tantos cambiantes, troncos antigos a chamarem o meu abraço. Um friozinho agradável, próprio de Abril.

Atravesso uma época de extraordinárias mudanças, interiores e exteriores. Revejo tudo, tudo questiono, viro-me cada vez mais para a orientação do espírito, sendo a mente racional apenas um suporte.
Estive a ler ao pequeno almoço uma entrevista no EL PAÍS com este homem extraordinário que é o barcelonês Vicente Ferrer. Ele combate a pobreza no mundo através de projectos educacionais, sanitários e agrícolas que já beneficiam hoje, na Índia, mais de dois milhões de intocáveis!
Defende Vicente que não podemos ficar indiferentes perante o absolutamente excessivo número de pobres no mundo e que “os grandes discursos humanitários não chegam aos confins da Terra não dando, por conseguinte, de comer a quem mais necessita”.

Vicente Ferrer tem razão. De barriga a dar horas, ninguém consegue pensar, muito menos actuar. Mas este homem corajoso e subversivo foi encontrando maneiras de começar por dar de comer a quem tem fome; passou depois à fase seguinte, que foi a de estabelecer sistemas educativos e permitir aos pobres o acesso possível ao dinheiro para que possam trabalhar a terra, criar animais, estabelecer pequenas indústrias. A sua tem sido, na terra de Ghandi, uma revolução silenciosa mas eficaz e, como tal, aos 85 anos tem muito que contar: perseguições de todo o tipo pelos grandes e poderosos, ameaças de prisão, a acusação de estar a criar um governo paralelo e até a ordem de expulsão da Índia em 1968. Esta última, contudo, foi parada por um movimento a seu favor, levado a cabo por 30.000 camponeses e secundado por intelectuais, políticos e leaders religiosos. Os camponeses fizeram 250Kms a pé, entre Manmad e Bombaim para pedir justiça. Indira Ghandi acabou por reconhecer o valor do trabalho do ex-monge encontrou uma solução.Vicente Ferrer não tem papas na língua. Denuncia sem rodeios a inoperacionalidade prática de instituições como o Banco Mundial e a Unicef – apesar de todos os seus recursos – os quais têm uma percepção meramente intelectual do que é a pobreza no mundo, a qual para eles não tem cara e é estudada través de números e complexas classificações. As ajudas advindas das suas conclusões são filtradas por uma complexa máquina burocrática e o resultado é o que está à vista.

Alguém com a coragem de Vicente Ferrer, que une a palavra à acção, faz obviamente medo a quem não tem a consciência limpa como são aqueles que integram a matriz de controle do planeta. Daí as perseguições...
Mas Vicente sabe que a consciência da sociedade civil actual está em vias de expansão e “se preocupa (muito mais do que antes) com o que se passa além fronteiras. No fundo, tem um verdadeiro desejo de (maior) igualdade.”

Fixemo-nos em exemplos como o deste ser humano. Não nos cabe a todos fazer o mesmo, nem da mesma forma. Mas, na época que o planeta atravessa, somos todos chamados a abrir o coração, a trabalhar nos nossos poluídos interiores, a nos tornarmos conscientes do que REALMENTE se passa no mundo e, de modo não agressivo, sem guerras nem conflitos, afirmar pela palavra e pela acção que o nosso mundo não tem de seguir a fórmula que nos “venderam” quando cá chegámos.

A voz de todos os cidadãos, em sintonia com o coração, pode em verdade mudar o mundo!


MARIANA INVERNO, Notas Diárias à Sombra dos Tempos

10 abril 2005

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AVÉ MARIA PARA O III MILÉNIO

Chama-me do futuro
uma mulher de olhos mansos
onde arde um fogo claro e baixo
-inextinguível como os tempos

apela
de dentro do seu silêncio antigo
para essa face
(que sempre supus mais tenra)
no que agora eu sou

do amanhã
caminha até mim
a impugnar caducas rotas
vencidas sendas
de um mundo a esboroar-se

Trajada de mistérios, poderosa maga
vetusta caminhante
pelos troços do sigilo e da omissão
viaja ora por alcançáveis horizontes
iniciadora e sábia
como as secretas vozes deslembradas
ora remota e vaga
logo
cercana, palpitante
no presságio
da Vida por chegar

Vinda do futuro coberta pela aurora
caminha
coroada pelos sonhos das estrelas
Reveladora de indescritíveis plenitudes
acolhe no brando seio
piedosa e alquímica
o tormentoso caudal de todos os meus prantos
Vem do futuro
mas segue ainda pela orla dos finitos
já impressora de desconhecidas ondas, indeléveis cores
na rota dos que ousam
recebê-la

Vacilo
logo sou ela
recuo
já o não sou

Antiga companheira, força latente
amada mãe, portadora da luz
guardiã dos dias de ouro e de cristal
anárquica regeneradora dos velhos caminhos
madre excelsa, mãe amantíssima
fluxo rebelde, cântico dos amanhãs
desperta alba, suave mensageira
da mudança e do perdão
porto da esperança, útero original
pátria dos poetas, arcanjo das artes
mãe da intrepidez, padroeira dos audazes
matriz do sonho
fogo da terra, barca divina
dissipadora das trevas, mãe corajosa
vaga de clemência, bálsamo dos párias
rosa secreta, estrela dos alvores
princípio iniciático ao Sonho e aos arcanos
de todos
e por todos
os saecula saeculorum…

Reinarás na Terra
chamejante e pura
pelo coração da liberta humanidade


MARIANA INVERNO

02 abril 2005

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A Construção da Personalidade Criadora



A harmonia do comportamento social requer, todos o sabemos, tanto o isolamento como o convívio. Excessiva comunicação, debates exagerados de assuntos que requerem meditação e peso moral, avesso muitas vezes à cordialidade natural das afinidades electivas, não enriquecem o património de uma sociedade. Antes embotam e alteram o terreno imparcial da sabedoria.
A solidão favorece a intensidade do pensamento; por outro lado, torna de certo modo celerado o homem que lida com a força material, com a técnica, com os outros homens. O impulso é a força que actualiza estas duas atitudes. Os ricos de impulso que se prontificam a uma reacção agressiva ou escandalosa, esses são associais especialmente difíceis. Todo o revolucionário é associal, se o impulso for nele um desvio da vida instintiva, e não uma atitude de homem capaz de obedecer e mandar a si próprio.
«A felicidade máxima do filho da terra há-de ser a personalidade» - disse Goethe. Personalidade criadora, obtida à custa do ajustamento das nossas próprias leis interiores, que não serão mais, no futuro, forças repelidas ou encobertas, mas sim valiosas contribuições para o tempo do homem. Quando tudo for analisado e conhecido, só o justo há-de prevalecer.


AGUSTINA BESSA-LUÍS, Alegria do Mundo

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