O POETA DA GUITARRA
Passou por nós como uma flor rara, avesso a hossanas e honrarias. Origem e vida humildes, o poeta da guitarra honrou Portugal e a alma portuguesa como só o sublime pode fazer. Anti-fascista, perseguido e sem o devido reconhecimento até muito tarde – fenómeno comum aos melhores filhos desta pátria perdida de si – o mestre da guitarra portuguesa era um homem aparentemente distraído de quase tudo menos do essencial.
Tive a alegria de o encontrar pessoalmente uma única vez, quando o convidei a actuar numa acção de promoção da imagem de Portugal em Barcelona. Lembro, com um nó na garganta, os acordes de guitarra a perpassarem mágicos e dolentes cada átomo daquele salão do Hotel Ritz, em total silêncio. Lembro que me correram lágrimas furtivas, pois a alma, a minha alma também tão portuguesa, podia enfim deixar escoar em público o seu pranto tão longamente contido, abraçada aos sons que dançavam num parto emotivo e tumultuoso como a origem do tempos...
Quando o saudei comovida, Carlos Paredes de olhos baixos balbuciou,Muito obrigado, minha senhora, sinto-me muito honrado, muito agradecido, é muita bondade sua...
Num mundo em que a mediocridade é exaltada todos os dias, em que se gastam e compram milhões em nome de ídolos de pés de cal – referenciais efémeros de uma paradigma em aguda decadência – deixai-me chorar, deixai-me cantar esta alma poética, a um tempo privada e universal, que por nós passou.
Que o seu canto perdure como um legado incomparável na memória desperta de todos os portugueses!
Lembrai o poeta da guitarra, lembrai o místico e o sublime tão longamente adormecidos na nossa alma colectiva...
MARIANA INVERNO, Notas Diárias à Sombra dos Tempos
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