ORDEM NASCENTE

Textos poéticos e filosóficos sobre a ordem nascente
A ordem nascente é ainda elusiva e periclitante. São muitos os profetas apocalípticos que auguram o fim dos tempos, e assim alimentam o medo no ser humano, facto que não pode bem servir a humanidade. Mas há, sem dúvida, crescentes indícios, vestígios, sinais que auguram o fim de um tempo, o ruir das estruturas... MARIANA INVERNO

03 julho 2004

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S O P H I A (1919-2004)




Foi-se. Começava a ser a hora.
Deixou-nos e à eternidade os seus poemas – íntimos, temerários, sentidos...
Voltarei sempre a ti, Sophia, através deles.
PAZ LUZ INESGOTÁVEL INFINITA LUZ PAZ



UM DIA

Um dia, gastos, voltaremos
A viver livres como os animais
E mesmo tão cansados floriremos
Irmãos vivos do mar e dos pinhais.
O vento levará os mil cansaços
Dos gestos agitados irreais
E há-de voltar aos nosso membros lassos
A leve rapidez dos animais.












Só então poderemos caminhar
Através do mistério que se embala
No verde dos pinhais na voz do mar
E em nós germinará a sua fala.





AUSÊNCIA

Num deserto sem água
Numa noite sem lua
Num país sem nome
Ou numa terra nua

Por maior que seja o desespero
Nenhuma ausência é mais funda do que a tua.




PORQUE

Porque os outros se mascaram e tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão
Porque os outros têm medo mas tu não
Porque os outros são os túmulos calados
Onde germina calada podridão
Porque os outros se calam mas tu não
Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo
Porque os outros são hábeis mas tu não
Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos










Porque os outros calculam mas tu não.


SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN (1919-2004)

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