Respirações soltas
O que é que confere unidade à minha vida, à minha história?
Qual é o tempo real da minha existência, quais as raízes da minha vida de agora?
Dependo, em mim. de um encadeamento de zonas – em grande parte ocultas – cuja observação escapa à percepção racional.
sou
o que não sou ainda
o que deixei de ser
mais o que estou em vias
de deixar de ser
Se pudesses, numa fracção de segundo, captar esse todo, ver-me-ias na inapreensível realidade do devir.

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Tomo consciência acrescida do bem precioso que é a minha saúde. Admiro o meu corpo que funciona praticamente bem, a minha capacidade de trabalho, o tom saudável da minha cútis, apesar da fadiga e dos anos.
Os tempos vão bem difíceis, mas o corpo é um ponteiro e devo estar atenta a todos os seus sinais para poder preservar o sentido íntimo da minha existência.
Amar sem reservas. Mas, amar sem excessos.
Amor incondicional é aquele que respira, solto, nos poros abertos da alma, alheio a motivos ulteriores...
Guardar a candura.
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Havia na sua voz a ágria e seca nota do desprendimento.
Ainda eram as mesmas as palavras, as perguntas, o encadeamento normal do discurso. Mas o som, esse certeiro indicador, caía no meu coração como casca vazia, destituída de acordes vitais, aparência apenas de si mesma.
Pergunto-me como funciona o coração humano. Ou seja, quem foi que nos gravou nos genes, no sangue, este absurdo código de comportamento. Esta conduta de abre/fecha coração conforme o preenchimento por parte do outro dos nossos secretos requisitos, mais ou menos egóicos. Parece que de outra maneira não nos sabemos defender do sofrimento. Matamos tudo o que julgamos não nos “pertencer”.
E, no entanto... lá está o mar, ao fundo. Todos os dias, olho demoradamente nessa direcção azulada confinante com os céus. Restabeleço assim a minha conexão com algo que me fortalece e limpa e inspira – portanto apoia. Sem por um instante sentir que o mar é meu, sinto-me contudo parte dele, partícula activa do seu imenso corpo, testemunha emocionada dos seus poderes. Nunca poderia, ainda que o quizesse, mudar este estado de coisas – transporto água, transporto mar no meu nome. O mar é meu aliado, minha reserva secreta. Nele, por meio dele, chego a tocar um outro lado de mim. Assim, também, brota o amor verdadeiro...
Sinto-me entranhadamente silenciosa.
MARIANA INVERNO, Notas Diárias à Sombra dos Tempos
Depois de algum tempo aprendes a diferença, a subtil diferença, entre dar a mão e acorrentar uma alma.
A Lua, mágica e misteriosa reflectora de emoções, envia-nos fielmente a sua vibração etérica e essa luz translúcida que tem inspirado gerações sem fim de poetas e místicos.

Devo representar, à superfície do ser, papéis muito divergentes do meu verdadeiro sentir se faço alguém próximo de mim pensar que só a poesia me abre o coração. É verdade que me sinto mais eu quando me desloco, ágil, na palavra que torna as cores outras, os sons outros, e a percepção lateja como um coração arritmado no interior de mim. Mas se sou mais eu na expressão manifesta do que se passa dentro de mim, é porque essa voz indica que o meu coração se abriu, não é ela que o abre.
Quanto mais fortemente solicitado se sentir o outro, mais inibidos se tornarão os seus impulsos de espontaneidade...o que contribuirá para que aquele que solicita encontre pretexto para alimentar a sua ansiedade.
Andam dias estranhos por aqui. As pessoas parecem estonteadas, desvairadas, insanas...
A mulher ensaiou então a dança da fidelidade. Caíram-lhe os seios, abriram-se, como uma flor, todas as pétalas do seu corpo, e do fundo da água dos seus olhos surgiu a divisão dos continentes, de um lado a terra, do outro o mar, em um dos polos a dádiva e no outro o segredo. Amor, amor, diziam a sua retina e a sua pele, eu desço para a frescura das rochas como os animais silenciosos escorregam para as poças matinais, mas por dentro estou cerrada e expectante, o meu corpo sente mas por dentro sou um deserto inclinado, cor de areia como me quiseste, acorrentada, aliviada, simples, tranquila, à espera de poder entoar o cântico futuro.
Os meus olhos porém são mais antigos e mais fundos, de substância vital, defendo a fortaleza e apAgo as guerras, porque nunca quiz nada e formei o coração livre de desejos e à espera.

OREMOS pois por nós, que vemos o mundo resvalar para um abismo sem retorno, sob a liderança do fundamentalismo, da cegueira política e dos interesses egoístas e sem coração dos valores materiais!


