M u l h e r ...
A mulher ensaiou então a dança da fidelidade. Caíram-lhe os seios, abriram-se, como uma flor, todas as pétalas do seu corpo, e do fundo da água dos seus olhos surgiu a divisão dos continentes, de um lado a terra, do outro o mar, em um dos polos a dádiva e no outro o segredo. Amor, amor, diziam a sua retina e a sua pele, eu desço para a frescura das rochas como os animais silenciosos escorregam para as poças matinais, mas por dentro estou cerrada e expectante, o meu corpo sente mas por dentro sou um deserto inclinado, cor de areia como me quiseste, acorrentada, aliviada, simples, tranquila, à espera de poder entoar o cântico futuro.
Aceita-me como se aceita a caça, lava-me como se lava o peixe, persiste à minha espera mesmo que saibas que eu estou longe e não volto de noite, mesmo que pressintas que encontrei o touro humano harmonioso que me dá vida e reconduz, porque eu quero o sumo, a água e a raiz, nasci de madrugada e não me esqueço, existo entre as flores, o meu elemento é a água, tudo o que é líquido me une, quero ir até ao fim do mar porque a fertilidade me atravessa como um gume e o meu cérebro é feito de algas e de sangue.
Os meus olhos porém são mais antigos e mais fundos, de substância vital, defendo a fortaleza e apAgo as guerras, porque nunca quiz nada e formei o coração livre de desejos e à espera.
Os meus tecidos são camelos, os meus cabelos são líquidos e quando quiseres eu verto o meu deserto, cubro a tua palavra e poderemos ir juntos à porta da nova vida, não sou mulher nem pessoa, sou o som alto e surdo, a flecha aparecida na manhã.
ALBERTO VAZ DA SILVA,
in Revista O TEMPO E O MODO, 1968
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