ORDEM NASCENTE

Textos poéticos e filosóficos sobre a ordem nascente
A ordem nascente é ainda elusiva e periclitante. São muitos os profetas apocalípticos que auguram o fim dos tempos, e assim alimentam o medo no ser humano, facto que não pode bem servir a humanidade. Mas há, sem dúvida, crescentes indícios, vestígios, sinais que auguram o fim de um tempo, o ruir das estruturas... MARIANA INVERNO

28 novembro 2004

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Respirações soltas



O que é que confere unidade à minha vida, à minha história?
Qual é o tempo real da minha existência, quais as raízes da minha vida de agora?
Dependo, em mim. de um encadeamento de zonas – em grande parte ocultas – cuja observação escapa à percepção racional.

sou
o que não sou ainda
o que deixei de ser
mais o que estou em vias
de deixar de ser

Se pudesses, numa fracção de segundo, captar esse todo, ver-me-ias na inapreensível realidade do devir.



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Tomo consciência acrescida do bem precioso que é a minha saúde. Admiro o meu corpo que funciona praticamente bem, a minha capacidade de trabalho, o tom saudável da minha cútis, apesar da fadiga e dos anos.
Os tempos vão bem difíceis, mas o corpo é um ponteiro e devo estar atenta a todos os seus sinais para poder preservar o sentido íntimo da minha existência.
Amar sem reservas. Mas, amar sem excessos.

Amor incondicional é aquele que respira, solto, nos poros abertos da alma, alheio a motivos ulteriores...

Guardar a candura.

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Havia na sua voz a ágria e seca nota do desprendimento.
Ainda eram as mesmas as palavras, as perguntas, o encadeamento normal do discurso. Mas o som, esse certeiro indicador, caía no meu coração como casca vazia, destituída de acordes vitais, aparência apenas de si mesma.
Pergunto-me como funciona o coração humano. Ou seja, quem foi que nos gravou nos genes, no sangue, este absurdo código de comportamento. Esta conduta de abre/fecha coração conforme o preenchimento por parte do outro dos nossos secretos requisitos, mais ou menos egóicos. Parece que de outra maneira não nos sabemos defender do sofrimento. Matamos tudo o que julgamos não nos “pertencer”.

E, no entanto... lá está o mar, ao fundo. Todos os dias, olho demoradamente nessa direcção azulada confinante com os céus. Restabeleço assim a minha conexão com algo que me fortalece e limpa e inspira – portanto apoia. Sem por um instante sentir que o mar é meu, sinto-me contudo parte dele, partícula activa do seu imenso corpo, testemunha emocionada dos seus poderes. Nunca poderia, ainda que o quizesse, mudar este estado de coisas – transporto água, transporto mar no meu nome. O mar é meu aliado, minha reserva secreta. Nele, por meio dele, chego a tocar um outro lado de mim. Assim, também, brota o amor verdadeiro...

Sinto-me entranhadamente silenciosa.


MARIANA INVERNO, Notas Diárias à Sombra dos Tempos

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