ORDEM NASCENTE

Textos poéticos e filosóficos sobre a ordem nascente
A ordem nascente é ainda elusiva e periclitante. São muitos os profetas apocalípticos que auguram o fim dos tempos, e assim alimentam o medo no ser humano, facto que não pode bem servir a humanidade. Mas há, sem dúvida, crescentes indícios, vestígios, sinais que auguram o fim de um tempo, o ruir das estruturas... MARIANA INVERNO

07 abril 2004

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A MORTE

Noite de teatro, em Londres. Peça de Samuel Beckett, esse irlandês difícil que soube levantar nos seus textos questões de rara profundidade, sem no entanto fornecer propriamente soluções para as mesmas.
ENDGAME, texto beckettiano monumental, magistralmente interpretado como é próprio dos ingleses, encheu a atmosfera e os olhos e o meu coração do medo que nos acompanha a quase todos no que se refere à velhice e aos males que lhe são próprios. Revi, num ápice, os momentos finais de seres a quem quis bem, de outros, só conhecidos, e surgiu a confirmação de que as pessoas morrem mal, descentradas, desligadas, em tormento, enfermas, pobres, feias, espécie de sombra amaldiçoada dos seres viçosos que um dia foram. Há uma quase obscenidade nas condições do final da vida dos seres humanos em geral, uma desistência forçada pela velhice, a doença, a falta de dinheiro, a ausência de amor e/ou os muitos males da alma. Tudo se parece agravar com a longevidade.
Não creio que tivesse de ser assim. Mas para o não ser, faltaria que as nossas sociedades permitissem a emergência do indivíduo no seu potencial esplendor. Sem rótulos antecipados, livre e consciente da sua ligação com a transcendência, consciente do seu ser maior.
Tal como Beckett, não tenho soluções. Só vislumbres. Flashes de um mundo mais equilibrado, mais justo, mais inocente. Onde se poderia envelhecer com dignidade, onde o ocaso da vida traria consigo o reconhecimento e a compensação (também de ordem material) a que as mais valias da maturidade e da experiência por força deveriam dar origem.

Cedo para tal. A humanidade é ainda e só uma criança mal orientada, imediatista e egocêntrica.
O inimigo vive em casa.
Esperemos que não seja tarde, afinal.


MARIANA INVERNO
Notas Diárias à Sombra dos Tempos

Quadro: Jim Barry

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