ORDEM NASCENTE

Textos poéticos e filosóficos sobre a ordem nascente
A ordem nascente é ainda elusiva e periclitante. São muitos os profetas apocalípticos que auguram o fim dos tempos, e assim alimentam o medo no ser humano, facto que não pode bem servir a humanidade. Mas há, sem dúvida, crescentes indícios, vestígios, sinais que auguram o fim de um tempo, o ruir das estruturas... MARIANA INVERNO

29 junho 2004

CounterCentral hit counter

CORAÇÃO PARADOXAL

Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é passível de fazer sentido.
Eu não: Quero é uma verdade inventada.

CLARICE LISPECTOR



BARRY SHARPLIN


Pois é. O sentido das coisas carece de ser inventado por mim, carece de encontrar ressonância – por mais ilógica que ela apareça a observadores externos – na parte mais tenra do meu coração, para que eu sinta que é verdade. O coração não se engana. Dispõe de detectores estranhos, não sujeitos às leis conhecidas, e firma as suas escolhas independentemente das conveniências circunstanciais. É temerário, húmido e paradoxal.
O equilíbrio q.b. entre as orientações da mente racional - indispensáveis ao aceitável funcionamento na ordem de valores em que ainda vamos (sobre)vivendo – e esse fluxo quente e extático, quase subversivo que nos invade naqueles momentos de entrega ao inexplicável representa a grande chave, de certo modo o código, para transcendermos a ainda muito generalizada situação de escravatura espiritual, moral e social em que a humanidade se encontra.

Olhai os lírios do campo...olhai o resto.

Não queremos clones. Indesejáveis, os bons alunos.
Deixai as borboletas voar, voar...
Sem rumo pré-estabelecido.


MARIANA INVERNO, Notas Diárias à Sombra dos Tempos

CounterCentral hit counter

O ÚNICO MISTÉRIO DO UNIVERSO



O único mistério do Universo é o mais e não o menos.
Percebemos demais as cousas — eis o erro, a dúvida.
O que existe transcende para mim o que julgo que existe.
A Realidade é apenas real e não pensada.

ALBERTO CAEIRO


27 junho 2004

CounterCentral hit counter

SAGRADO CENTRO DO SER

Venho silenciosa para um destino desconhecido.
Todos os dias, abro olhos molhados ao clarear da aurora e respiro fundo ante mais outra jornada por revelar. Bem me quiseram ensinar as coisas certas e comprovadas, bem insistiram na lucidez e no sensato, mas o toque da vida é outro. Assim o sinto.
Olho no espelho a minha longa figura, ausculto a alma.
Véus, movimentos elípticos, ascensionais. A frescura da manhã invade-me como rio solto de bem estar, entonteantes os aromas do jardim, impolutos a esta hora ainda.
Quanto me queria a salvo de tantas lágrimas e dores, os espectros das crenças alheias a quererem projectar-se sobre mim, insaciáveis alguns dos que dizem amar-me.
Insaciáveis do meu amor ou de me causar dor?
Empenhados em me querer bem ou em me não crer?

Há em mim um centro fundo e secreto onde ninguém penetra. Não atenteis contra esse portal sagrado. Não me obrigueis a partir, que o tempo se não cumpriu...

MARIANA INVERNO, Notas Diárias à Sombra dos Tempos
Quadro: CATHERINE DE SAUGY

25 junho 2004

CounterCentral hit counter

Educação, hoje...


A escola que merece ser preservada é aquela que conduz o aprendiz a se conhecer e a desenvolver os seus dons, realizando a promessa inerente à sua existência.
Quando orientamos o coração para aprender? Não apenas para conhecer o mundo exterior e para nele actuar. Sobretudo para aprender a estar no mundo, navegar ao encontro e florescer como seres humanos. Para tomar consciência do fio de ligação que conecta todos os nossos passos e todos os eventos no qual habitamos.

Como afirma o estadista VÁCLAV HAVEL, a educação hoje é a capacidade de perceber as conexões ocultas entre os fenómenos.


ROBERTO CREMA

24 junho 2004

CounterCentral hit counter

LONGE DA MULTIDÃO INCONSCIENTE


NATURE'S EMBRACE

Creio que gostaria de ir para onde
Os sinos não repicam, nem há apitos a tocar,
Nem os relógios dão horas, nem os gongos soam,
E onde tivesse sossego em redor.

Não um sossego completo, mas apenas as árvores
Sussurrando baixinho, ou o zumbido das abelhas,
Ou sobre as pedras o murmúrio fraco dos regatos,
De sons desconhecidos, suaves e intrincados.

Ou talvez um grilo ou gafanhoto verde
Ou o canto das aves escondidas na sebe,
Ou apenas um destes doces sons – tanto faz,
Para encher um coração cansado, de paz.


NIXON WATERMAN, Longe da Multidão Inconsciente

22 junho 2004

CounterCentral hit counter

SUSPEITAS

As suspeitas são entre os pensamentos o que os morcegos são entre os pássaros; voam sempre ao crepúsculo. Certamente, devem ser reprimidos, ou pelo menos bem vigiados, porque ofuscam o espírito. As suspeitas afastam-nos dos amigos e vão de encontro aos nossos negócios, que afastam do caminho normal e direito. As suspeitas impelem os reis à tirania, os maridos ao ciúme, os sábios à irresolução e à melancolia. São fraquezas não do coração, mas do cérebro, porque se alojam nos carácteres mais intrépidos, como no exemplo de Henrique VII de Inglaterra, que, entre os homens, foi também o mais suspeitoso e também o mais intrépido. As suspeitas fazem muito mal a estes homens. Nas outras pessoas, as suspeitas só são admitidas depois de exame à sua verosimilhança, mas nas pessoas timoratas elas rapidamente adquirem fundamento. O que leva o homem a suspeitar muito é o saber pouco; por isso os homens deveriam dar remédio às suspeitas procurando saber mais, em vez de se deixarem sufocar por elas.
Que querem eles? Pensarão talvez que são santas as pessoas que empregam e com quem tratam? Que elas não pensam em atingir os seus fins, e que serão mais leais para com os outros do que para consigo próprias? Não há, por isso, melhor caminho para modelar as suspeitas do que acolhê-las como verdadeiras, e refreá-las como falsas. Deve usar-se das suspeitas para providenciar a que não nos prejudiquem, no caso de serem verdadeiras.
As suspeitas, que o espírito de si próprio gera, não são mais do que zumbidos; mas as que são artificialmente alimentadas com histórias e ditos maliciosos, essas possuem venenosos ferrões. Certamente, o melhor meio de abrir caminho na floresta das suspeitas é falar francamente com a pessoa de quem se desconfia; porque assim ter-se-á a certeza de conhecer melhor a verdade do que se conhecia antes, e conseguir-se-á que a pessoa de quem se desconfiou seja de futuro mais circunspecta e dê outros motivos de suspeição. Mas isto não pode ser feito com pessoas de natureza vil, porque essas, quando se sabem suspeitadas, nunca mais são leais. Os italianos dizem: Sospetto licentia fede, como se a suspeita desse um passaporte à fidelidade; quando, pelo contrário, deveria ser motivo para se justificar.


FRANCIS BACON, ENSAIOS

19 junho 2004

CounterCentral hit counter

MENTE E MATÉRIA



"O mundo objectivo é o resultado final da acção interior. Pode-se em verdade manipular o mundo objectivo a partir de dentro, estes são na realidade o meio e a definição da verdadeira manipulação...
Os pensamentos e as imagens transformam-se em realidade física e tornam-se um facto físico. São impulsionados quimicamente. Um pensamento é energia. Começa a produzir-se a si próprio fisicamente no momento em que é concebido.
Os enzimas mentais estão ligados à glândula pineal. Tal como são conhecidos, os químicos do corpo são físicos, mas são os impulsionadores deste pensamento-energia e contêm todos os elementos codificados necessários à tradução de qualquer pensamento ou imagem para a realidade física. Levam o corpo a reproduzir a imagem interior. São faíscas, por assim dizer, iniciando a transformação.
Os químicos são libertados através da pele e do sistema de poros, numa formação invisível mas definitivamente pseudofísica. A intensidade de um pensamento ou imagem determina largamente a velocidade a que se materializam no mundo físico. Não há nenhum objecto à tua volta que não tenhas criado. Não há nada na tua imagem física que não tenhas feito.
O pensamento ou imagem iniciais existem dentro do contexto mental. Aí ainda não é físico. Então é activado para a materialização física através das enzimas mentais.
Este é o procedimento geral. Contudo, nem todas as imagens ou pensamentos se materializam completamente nos vossos termos. A intensidade pode ser demasiado baixa. A reacção química causa descargas eléctricas, algumas dentro das camadas da pele. Existem, pois, radiaçoes através da pele para o mundo exterior que contêm instruções e informação altamente codificadas.

Os objectos são compostos do mesmo pseudomaterial que irradia da tua própria imagem física, apenas a massa de intensidade mais alta é diferente. Quando se encontra suficientemente construido, é reconhecido como sendo um objecto. Quando se encontra na fase de massa de intensidade baixa, o objecto não é aparente para ti.
Todos os nervos e fibras dentro do corpo têm um propósito interior não visível e que serve para ligar o eu interior com a realidade física, que permite o eu interior criar a realidade física.”


(material canalizado por...)
JANE ROBERTS, The Seth Material
Prentice Hall Press, 1987
Tradução de Mariana Inverno


18 junho 2004

CounterCentral hit counter

O QUE ME CABE

Vagueio pela noite, tomada deste imperativo de ser só, sózinha, somente comigo mesma, sem pesar a ninguém, sem as fadigas das emoções interdependentes, sem jogos, sem nada.
Correm no interior das minhas lágrimas os espaços maiores que habitavam o filme coreano de ontem à noite. Espaços interiores e espaços externos. Limpou-me a alma e senti-me tão leve e poderosa por momentos. Tudo a fazer sentido, tudo sem importância – eu, sobretudo.
Quando era jovenzinha escrevia assim,
Não posso ser
o que não sou
Embora queira
aprender o que não quero
mantenho o desespero
de me manter intacta

Como é que eu sabia isto aos dezasseis anos? E, se era tão esperta, como é que não previ o que me esperava?
Passa tudo, desfilam as dores dos outros, e eu onírica, ainda lanço flores na passagem dos que sofrem, sobretudo esses. Passa tudo.
Eu, sem importância. O que faço, irrelevante. No meu cacifo privado, só eu e as minhas ilusões têm lugar.


MARIANA INVERNO, Notas Diárias à Sombra dos Tempos




JANELA PESSOANA

Na Noite Terrível

Mas o que eu não fui, o que não fiz,
o que nem sequer sonhei;
o que só agora vejo que deveria ter feito,
que só agora claramente vejo
que deveria ter sido,
isto é que é morto
para além de todos os Deuses ...

Pode ser que para outro mundo
eu possa levar o que sonhei.
Mas poderei eu levar para outro mundo
o que me esqueci de sonhar?
Esses, sim, os sonhos por haver,
é que são o cadáver.
Enterro-os no meu coração para sempre,
para todo o tempo, para todos os universos...


ÁLVARO DE CAMPOS




13 junho 2004

CounterCentral hit counter

CREIO NO INCRÍVEL, NAS COISAS ASSOMBROSAS...

Tenho saudades desta alma...



Creio nos anjos que andam pelo mundo,
Creio na deusa com olhos de diamantes,
Creio em amores lunares com piano ao fundo,
Creio nas lendas, nas fadas, nos atlantes,

Creio num engenho que falta mais fecundo
De harmonizar as partes dissonantes,
Creio que tudo é eterno num segundo,
Creio num céu futuro que houve dantes,

Creio nos deuses de um astral mais puro,
Na flor humilde que se encosta ao muro,
Creio na carne que enfeitiça o além,

Creio no incrível, nas coisas assombrosas,
Na ocupação do mundo pelas rosas,
Creio que o amor tem asas de ouro. Ámen.



NATÁLIA CORREIA, Sonetos Românticos(1990)

06 junho 2004

CounterCentral hit counter

LAMENTAÇÕES...

Não há dúvida de que é inútil e prejudicial lamentarmo-nos perante o mundo. Resta saber se não é igualmente inútil e prejudicial lamentarmo-nos perante nós próprios. Evidentemente. De facto, ninguém se lamentará perante si próprio, a fim de se incitar à piedade, o que nada significaria, dado que a piedade é, por definição, o voluptuso encontro de dois espíritos. Para quê, então? Não para obter favores, porque o único favor que um espírito pode fazer a si próprio é conceder-se indulgência, e toda a gente percebe quanto é prejudicial que a vontade seja indulgente para com a sua própria e lamentável fraqueza.
Resta a hipótese de o fazermos para extrair verdades do nosso coração amolecido pela ternura. Mas a experiência ensina que as verdades surgem apenas em virtude de uma pacata e severa busca, que surpreende a consciência numa atitude inesperada e a vê, como de um filme que parasse de repente, estupefacta, mas não emocionada.
Basta, portanto.


CESARE PAVESE, O Ofício de Viver



ASSOMBRO EXISTENCIAL

Tenho alma e ouvidos
aqui na palma da minha mão marcada
Tenho alma e ouvidos
encaixados na pele
fronteiriça com todas as coisas
E tenho dedos tácteis
pluridimensionais
alongados para além de mim
exploratórios
de mistérios inimagináveis

Questiono todas as coisas
existentes tão só
por via da mão e da pele
e até mesmo
dos longilíneos dedos invisíveis


Recolho-me ao meu assombro


MARIANA INVERNO



EXPANSÃO DE CONSCIÊNCIA


Muitas são as situações no mundo material que levam o ser a sentir-se completamente perdido, mas poucos reconhecem o valor delas.De diversas maneiras, da infância à velhice, todos vivem em maior ou menor grau momentos em que são invadidos por um sentido de completo desamparo, e os que não puderam controlar o desespero e o medo que disso advêm conheceram algo da imensa protecção existente nas bases da vida. Nesses momentos de aguda conscientização dos limites do ego é possível ao ser dar um salto, tocar a sua realidade – imperecível independentemente de qualquer factor externo. Essa vivência, por breve que seja, deixa-lhe marcas internas profundas e contribui para a iluminação da sua consciência, iluminação que nada mais é do que a plena absorção da verdade sobre a própria existência imortal.

TRIGUEIRINHO, Encontros com a Paz
Ed.Pensamento, São Paulo, 1993



05 junho 2004

CounterCentral hit counter

CONTACTOS COM A PRESENÇA OCULTA



As Hierarquias regentes da evolução humana conhecem em profundidade a condição de cada ser. A todos têm estimulado a ir ao encontro da liberdade, e não há liberdade maior do que a de superar os medos e as apreensões que se criam a partir das forças do ego ou de parâmetros externos. Essas Hierarquias, ao observar um indivíduo, sabem quais são as estruturas humanas mais susceptíveis a abalos, percebem quais as que já estão prontas para ruir e impulsionam-no a superá-las, fazendo com que se desapegue dos seus vínculos. Operam activamente quando nele reconhecem uma busca sincera o suficiente para o sustentar durante as provas e mantê-lo firme nos seus princípios e votos espirituais.

TRIGUEIRINHO,Encontros com a Paz,
Editora PENSAMENTO, São Paulo, 1993

Quadro: Suzanne Gysemann

03 junho 2004

CounterCentral hit counter

A ESSÊNCIA DAS COISAS



Nunca me conformei com um conceito puramente científico da Existência, ou aritmético-geométrico, quantitativo-extensivo. A existência não cabe numa balança ou entre os ponteiros dum compasso. Pesar e medir é muito pouco; e esse pouco é ainda uma ilusão. O pesado é feito de imponderáveis, e a extensão de pontos inextensos, como a vida é feita de mortes.


A realidade não está nas aparências transitórias, reflexos palpitantes, simulacros luminosos, um aflorar de quimeras materiais. Nem é sólida, nem líquida, nem gasosa, nem electromagnética, palavras com o mesmo significado nulo. Foge a todos os cálculos e a todos os olhos de vidro, por mais longe que eles vejam, ou se trate dum núcleo atómico perdido no infinitamente pequeno, ou da nebulosa Andrómeda, a seiscentos mil anos de luz da minha aldeia!
A essência das coisas, essa verdade oculta na mentira, é de natureza poética e não científica. Aparece ao luar da inspiração e não à claridade fria da razão. Esta apenas descobre um simples jogo de forças repetido ou modificado lentamente, gestos insubstanciais, formas ocas, a casca de um fruto proibido.
Mas o miolo é do poeta. Só ele saboreia a vida até ao mais íntimo do seu gosto amargoso, e se embrenha nela até ao mais profundo das suas sensações e sentimentos. É o ser interior a tudo. Para ele, a realidade não é um conceito abstracto, ideia pura, imagem linear; é uma concepção essencial, imagem hipostasiada, possuída em alma e corpo, nupcialmente, dramaticamente, à São Paulo ou Shakespeare.


TEIXEIRA DE PASCOAES, O Homem Universal
Quadros(por ordem): Susan Seddon Boulet e Suzanne Gyseman

02 junho 2004

CounterCentral hit counter

ANGÚSTIA

O que é angústia?
Um rapaz fez-me essa pergunta difícil de ser respondida. Pois depende do angustiado. Para alguns incautos, inclusive, é palavra de que se orgulham de pronunciar como se com ela subissem de categoria -- o que também é uma forma de angústia.
Angústia pode ser não ter esperança na esperança. Ou conformar-se sem se resignar. Ou não se confessar nem a si próprio. Ou não ser o que realmente se é, e nunca se é.
Angústia pode ser o desamparo de estar vivo. Pode ser também não ter coragem de ter angústia -- e a fuga é outra angústia. Mas angústia faz parte: o que é vivo, por ser vivo, se contrai.
Esse mesmo rapaz perguntou-me: você não acha que há um vazio sinistro em tudo?
Há sim.
Enquanto se espera que o coração entenda.


CLARICE LISPECTOR
Quadro: Catherine de Saugy

BlogRating