LIVRE PENSAMENTO
"No tempo em que era um jovem bastante precoce já me sentia impressionado com a futilidade das expectativas e lutas que muitos homens prosseguem sem descanso através da vida.
Para além disso, muito cedo descobri a crueldade dessa luta, que naquele tempo estava bem mais cuidadosamente mascarada pela hipocrisia e palavras bem sonantes do que hoje em dia. A mera existência do estômago condenava toda a gente a participar nela.
O estômago bem podia ficar satisfeito com tal participação, mas o mesmo não se passava com o homem enquanto ser pensante e sensível.
O primeiro caminho de saída era a religião, imposta a cada criança como máquina de educação tradicional. Assim, alcancei um grau de profunda religiosidade o qual, no entanto, chegou abruptamente ao fim por volta dos meus doze anos. Através da leitura de livros científicos populares, cheguei rapidadmente à conclusão de que muito nas histórias da Bíblia não podia ser verdade. A consequência foi uma orgia fanática de livre-pensamento aliado à impressão de que a juventude é intencionalmente enganada pelo estado através de mentiras; foi uma impressão marcante.
Desta experiência, nasceu uma desconfiança de todo o tipo de autoridade, uma atitude de cepticismo relativamente às convicções de qualquer ambiente social específico – atitude que nunca mais me deixou, embora mais tarde tenha vindo a ser temperada por uma melhor compreensão das conexões causais.
Tornou-se claro para mim que o paraíso religioso da juventude, assim perdido, fora uma primeira tentativa de libertação das cadeias do “meramente pessoal”, de uma existência dominada por desejos, esperanças e sentimentos primitivos. Lá fora estava esse mundo enorme, o qual existe independentemente de nós, seres humanos, e que se nos apresenta como um grande e eterno enigma, pelo menos em parte acessível para a nossa inspecção e pensamento.A contemplação deste mundo aparecia-me libertadora e muito em breve me dei conta que muitos seres que eu estimava e admirava haviam encontrado liberdade interior e segurança nessa busca. .(...)Compreender mentalmente este mundo extra-pessoal, no contexto das nossas capacidades, apresentou-se-me, meio consciente meio inconscientemente, como o objectivo supremo.
O caminho para esse paraíso não foi tão confortável e atraente como o conducente a um paraíso religioso; mas revelou-se digno de confiança e nunca lamentei tê-lo escolhido.”
ALBERT EINSTEIN (1879-1955), Autobiographical Notes,
Open Court Publishing Company, LaSalle and Chicago, Illinois, 1979
Tradução de Mariana Inverno
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