O olhar dos outros pode não deixar qualquer espaço ao olhar sobre nós mesmos. Todas as diferentes imagens que nos são reenviadas transformam-nos num pião dando voltas sobre si mesmo em busca de uma unidade. Ora, pensar e agir em função do que os outros nos reenviam a fim de perpetuar essa imagem, não nos permite em qualquer caso encontrar a nossa identidade.
O olhar dos outros é necessário à nossa evolução; o apoio moral, o enquadramento social e afectivo são indispensáveis ao nosso desenvolvimento. Mas em nenhum caso deve esse olhar desviar-nos da nossa rota. Uma rosa necessita cuidados e calor para se desenvolver, mas, mais ou menos desabrochada, ela será sempre uma rosa. Cada um de nós possui uma identidade que lhe é própria; e, ninguém a pode conhecer melhor do que nós. Desconhecê-la, por não nos termos podido libertar dos apertados laços da infância, das expectativas de que fomos objecto, das imagens alienantes que nos foram sempre reenviadas, esta negação da nossa identidade não pode senão estar na origem de um mal estar...que pode por vezes tornar-se doença.
O que buscamos está na sempre na continuidade da nossa própria história, mesmo se acreditarmos que empregamos todas as nossas forças para nos desligarmos dela. Aquele que, por exemplo, não pôde nunca obter nenhuma certeza no amor, considera sempre o outro como susceptível de despertar essa falta de amor; e se está à espreita de toda e qualquer prova de amor, também assim se situa no que se refere a prova de desamor, logo inquieto quando não tem qualquer razão para o estar, nunca feliz quando tudo o poderia satisfazer.
Vive em relação ao outro uma solicitação insaciável: tem sempre necessidade de obter mais, de ser o objecto de um privilégio que, pelo menos por algum tempo, o possa tranquilizarVive obcecado pela ideia de ultrapassar de forma permanente os limites que lhe são impostos, e desse modo todos os limites que lhe haviam sido impostos...
Mas a obtenção do que é desejado não traz muitas vezes senão uma acalmia muito passageira.; para não ter de encarar de novo a sua angústia, é-lhe necessário fixar outra vez o seu desejo sobre o que lhe escapa, ou lhe poderá escapar. Tem necessidade desta fuga sem fim em direcção a um objecto impossível de desejo; não encontra excitação senão neste movimento incessante, nesta dinâmica onde coloca toda a sua força vital.
Estes modos de funcionamento, fontes de conflitos e de inquietude, são comportamentos transmitidos, aprendidos e repetidos incansavelmente...Mas podem ser modificados; e devem sê-lo. Face aos limites que eles nos impôem e que as experiências muito frequentemente dolorosas e que se sucedem umas às outras nos confirmam, compreendemos que temos de evoluir, não só nas nossas relações com os outros mas também na imagem que pouco a pouco construímos de nós mesmos e da nossa vida.
CATHERINE BENSAID, Aime-toi, la vie t’aimera
Ed. Robert Laffont, Paris, 1992
Tradução: Mariana Inverno
Primeira e terceira imagens: PIERRE GRUTTER