ORDEM NASCENTE

Textos poéticos e filosóficos sobre a ordem nascente
A ordem nascente é ainda elusiva e periclitante. São muitos os profetas apocalípticos que auguram o fim dos tempos, e assim alimentam o medo no ser humano, facto que não pode bem servir a humanidade. Mas há, sem dúvida, crescentes indícios, vestígios, sinais que auguram o fim de um tempo, o ruir das estruturas... MARIANA INVERNO

31 outubro 2004

CounterCentral hit counter

O HOMEM FRAGMENTADO

A nossa concepção da natureza do homem foi falsificada, degradada.
Foi arrancada a base do universo humano, a estrutura não pode manter-se; alguma coisa há de quebrar-se.
Dos fragmentos dispersos do moderno saber deve ser construído um novo mundo, e cabe ao Oriente e ao Ocidente juntos construí-lo.


LIN YUTANG, 1945
Filósofo chinês(séc.XX)

27 outubro 2004

CounterCentral hit counter

Dor antiga, cinema interior e impossibilidade profunda

DOR ANTIGA
Parece que ao longo da vida se repete incansavelmente a mesma antiga dor até que sejamos enfim capazes de a detectar e de lhe retirar o seu poder maléfico, ou que tenhamos instintivamente aprendido a evitar situações susceptíveis de a recriar.
É praticamente impossivel identificar as circunstâncias que estiveram na origem do seu aparecimento: elas reportam-se a um tempo a que a memória não acede. As experiências de grande impacto de que nos conseguimos lembrar são apenas e só a repetição desta dor antiga. Torna-se necessário, portanto, identificar as condições em que esta dor desperta e a reacção imediata que ela causa no nosso corpo.



TODOS TEMOS O NOSSO CINEMA INTERIOR
Por vezes, vemos atitudes de rejeição e humilhação onde elas não existem. De olhos postos no passado, cada um dispõe do seu pequeno cinema interior que projecta em todas as circunstâncias, independentemente de qualquer realidade objectiva: o cenário é-lhe muito familiar. Em primeiro lugar, é o recordar que o leva em seguida a desfiar todo um rosário de queixas e lamentações eternas. Para aquele que vive o contratempo ou a decepção como uma fatalidade, desfilam de modo quase mecânico as frases ou as cenas cuja sequência conhece perfeitamente. De “ninguém me ama” e “toda a gente está contra mim” a “sou incapaz e nunca lá chegarei” regressam, entre outras, como um leitmotiv, convicções dolorosas, quanto ao seu destino infeliz. (...)
Certas pessoas são particularmente dotadas para se contarem histórias dramáticas: munidas de uma imaginação extraordinária fazem intervir, numa encenação muito elaborada, os actores da sua vida passada e presente. Inventam um desfecho, sempre o mesmo: um desfecho que provoca uma sensação de angústia bem conhecida, a qual se lhes torna mais e mais insuportável ao repetir-se...mesmo sabendo eles que de certo modo a provocaram.

IMPOSSIBILIDADES PROFUNDAS
É por vezes mais fácil criarem-se impossibilidades externas à medida das nossas impossibilidades profundas e servirmo-nos em seguida daquelas para justificar as dificuldades em concretizar os nossos desejos. A doença pode assim servir de pretexto para nada se viver, ou pelo facto mesmo dela pôr a vida entre parênteses, remeter para mais tarde o que gostaria de se fazer...uma vez curada a doença. Correr o risco de ser feliz, não significará renunciar a todos os benefícios secundários do estado do ser em sofrimento?


retirado de)
CATHERINE BENSAID, Aime-toi, la vie t’aimera
Ed. Robert Laffont, Paris, 1992
Tradução: Mariana Inverno

Quadros: Priscilla Paula Pessoa, 1999

22 outubro 2004

CounterCentral hit counter

Consciência em ascensão


O ser humano teria de querer tanto entregar-se à luz quanto ansiaria por água num deserto ardente, ou por ar, se submerso. E amar – verdadeiramente amar – a essência que vive no centro do seu ser. A realidade monádica não lhe é inacessível, e pouco a pouco ele poderá perceber, com reverência e gratidão, a vida de uma consciência mais ampla fluindo nos seus corpos. Verá a cristalinidade com que são nele inseridas energias que os levam a um ponto de vibração superior. Verá o seu próprio ser transformar-se em um foco, em um manancial de paz que contribui para o equilíbrio planetário.
Mas nada disso virá à sua consciência se, mesmo em meio a uma intensa actividade prática, não mantiver esse amor continuamente aceso, como um universo no qual se desenrolam os movimentos da vida, mas que nunca se altera.


TRIGUEIRINHO, Encontros com a Paz
Ed. Pensamento, São Paulo, 1993

17 outubro 2004

CounterCentral hit counter

O OLHAR DOS OUTROS

O olhar dos outros pode não deixar qualquer espaço ao olhar sobre nós mesmos. Todas as diferentes imagens que nos são reenviadas transformam-nos num pião dando voltas sobre si mesmo em busca de uma unidade. Ora, pensar e agir em função do que os outros nos reenviam a fim de perpetuar essa imagem, não nos permite em qualquer caso encontrar a nossa identidade.
O olhar dos outros é necessário à nossa evolução; o apoio moral, o enquadramento social e afectivo são indispensáveis ao nosso desenvolvimento. Mas em nenhum caso deve esse olhar desviar-nos da nossa rota. Uma rosa necessita cuidados e calor para se desenvolver, mas, mais ou menos desabrochada, ela será sempre uma rosa. Cada um de nós possui uma identidade que lhe é própria; e, ninguém a pode conhecer melhor do que nós. Desconhecê-la, por não nos termos podido libertar dos apertados laços da infância, das expectativas de que fomos objecto, das imagens alienantes que nos foram sempre reenviadas, esta negação da nossa identidade não pode senão estar na origem de um mal estar...que pode por vezes tornar-se doença.


O que buscamos está na sempre na continuidade da nossa própria história, mesmo se acreditarmos que empregamos todas as nossas forças para nos desligarmos dela. Aquele que, por exemplo, não pôde nunca obter nenhuma certeza no amor, considera sempre o outro como susceptível de despertar essa falta de amor; e se está à espreita de toda e qualquer prova de amor, também assim se situa no que se refere a prova de desamor, logo inquieto quando não tem qualquer razão para o estar, nunca feliz quando tudo o poderia satisfazer.
Vive em relação ao outro uma solicitação insaciável: tem sempre necessidade de obter mais, de ser o objecto de um privilégio que, pelo menos por algum tempo, o possa tranquilizarVive obcecado pela ideia de ultrapassar de forma permanente os limites que lhe são impostos, e desse modo todos os limites que lhe haviam sido impostos...
Mas a obtenção do que é desejado não traz muitas vezes senão uma acalmia muito passageira.; para não ter de encarar de novo a sua angústia, é-lhe necessário fixar outra vez o seu desejo sobre o que lhe escapa, ou lhe poderá escapar. Tem necessidade desta fuga sem fim em direcção a um objecto impossível de desejo; não encontra excitação senão neste movimento incessante, nesta dinâmica onde coloca toda a sua força vital.

Estes modos de funcionamento, fontes de conflitos e de inquietude, são comportamentos transmitidos, aprendidos e repetidos incansavelmente...Mas podem ser modificados; e devem sê-lo. Face aos limites que eles nos impôem e que as experiências muito frequentemente dolorosas e que se sucedem umas às outras nos confirmam, compreendemos que temos de evoluir, não só nas nossas relações com os outros mas também na imagem que pouco a pouco construímos de nós mesmos e da nossa vida.




CATHERINE BENSAID, Aime-toi, la vie t’aimera
Ed. Robert Laffont, Paris, 1992
Tradução: Mariana Inverno

Primeira e terceira imagens: PIERRE GRUTTER

15 outubro 2004

CounterCentral hit counter

R E S I L I Ê N C I A



O problema não é o problema.
O “problema é sua atitude com relação ao problema.”

KELLY YOUNG


Hoje, a tristeza me visitou. Tocou a campainha, subiu as escadas, bateu à porta e entrou. Não ofereci resistência. Houve um tempo em que eu fazia o impossível para evitá-la adentrar os meus domínios. E quando isso acontecia, discutíamos demoradamente. Era uma experiência desgastante. Aprendi que o melhor a fazer é deixá-la seguir seu curso.

O mundo ao redor parece conspirar contra o bem, a estabilidade e o equilíbrio que tanto se persegue. O desânimo comparece estampado em ombros arqueados e olhos sem brilho, que pedem para derramar lágrimas de alívio. Então, choro. E o faço porque Maurice Druon ensinou-me, através de seu inocente Tistu, que se você não chora, as lágrimas endurecem no peito e o coração fica duro.

Em Humanas, a resiliência passou a designar a capacidade de se resistir flexivelmente à adversidade, utilizando-a para o desenvolvimento pessoal, profissional e social. Traduzindo isso através de um dito popular, é fazer de cada limão, ou seja, de cada contrariedade que a vida nos apresenta, uma limonada, saborosa, refrescante e agradável.

Aprendi que não adianta brigar com problemas. É preciso enfrentá-los para não ser destruído por eles, resolvendo-os. E rapidamente, de maneira certa ou errada. Problemas são como bebês, só crescem se forem alimentados. Muitos deles resolvem-se por si mesmos. Mas quando você os soluciona de forma inadequada eles voltam, dão-lhe uma rasteira e, aí sim, você os anula corretamente. A felicidade, pontuou Michael Jansen, não é a ausência de problemas. A ausência de problemas é o tédio. A felicidade são grandes problemas bem administrados.


Aprendi a aceitar a tristeza. Não o ano todo, mas apenas um dia, à luz dos ensinamentos de Victor Hugo. O poeta dizia que “tristeza não tem fim, felicidade, sim”. Porém, discordo. Penso que os dois são finitos. E cíclicos. O segredo é contemplar as pequenas alegrias ao invés de aguardar a grande felicidade. Uma alegria destrói 100 tristezas...


Modismo ou não, tornei-me resiliente. A palavra em si pode cair no ostracismo, mas terá servido para ilustrar minha atitude cultivada ao longo dos anos diante das dificuldades, impostas ou auto-impostas, que enfrentei pelo caminho, transformando desânimo em persistência, descrédito em esperança, obstáculos em oportunidades, tristeza em alegria.

Nós apreciamos o calor porque já sentimos o frio. Apreciamos a luz porque já estivemos no escuro. Apreciamos a saúde porque já fomos enfermos. Podemos, pois, experimentar a felicidade porque já conhecemos a tristeza.

Olhe para o céu, agora! Se é dia, o Sol brilha e aquece. Se é noite, a Lua ilumina e abraça. E assim será novamente amanhã. E assim é feita a Vida.


TOM COELHO, Licenciado em Economia pela FEA/USP, Publicidade pela ESPM/SP e especialização em Marketing pela MMS/SP e em Qualidade de Vida no Trabalho pela FIA/USP, é empresário, consultor, escritor e palestrante, Diretor da Infinity Consulting, Diretor do Simb/Abrinq e Membro Executivo do NJE/Fiesp.
Contactos através do e-mail tomcoelho@tomcoelho.com.br.
Visite www.tomcoelho.com.br.


09 outubro 2004

CounterCentral hit counter

WANGARI MAATHAI, Prémio Nobel da Paz 2004

Parece que é, afinal, pela inteligência e pelo coração da deusa que a humanidade começa a encontrar caminhos passíveis da salvação. E mais, uma instituição de topo como o Comité Norueguês do Prémio Nobel da Paz, reconhece-o oficialmente, ao atribui-lo, este ano, a Wangari Maathai, uma sexagenária africana, nativa do Quénia que, a partir da década de oitenta, se tornou notada internacionalmente pelas suas campanhas contra a devastação das florestas que o governo do seu país apoiava.
De uma coragem sem limites, esta mulher culta, bela e esclarecida – é bióloga e possui um mestrado pela Universidade de Pittsburgh nos Estados Unidos – sofreu enormes pressões e foi perseguida e ameaçada, mas ninguém conseguiu calar a sua voz. É que Maathai já integrara a consciência de que, embora mascarados pela religião ou pela política, a grande maioria dos problemas que ocorrem no mundo advem da escassez de meios provocada pela ganância de alguns e que é só numa sociedade mais justa, onde as mulheres vejam os seus direitos garantidos e o meio ambiente seja preservado, se poderá viver em paz.


Esta invulgar africana aliou-se às suas irmãs, as mulheres – muitas delas extremamente pobres - e mobilizou-as para que plantassem árvores. Fundou, assim, o GREEN BELT MOVEMENT através do qual conseguiu que mais de 30 milhões de novas árvores emergissem, numa campanha sem precedentes para atenuar os efeitos da deflorestação do ambiente. Trata-se de uma importante instituição que promove igualmente a educação, o planeamento familiar, a nutrição e a luta contra a corrupção.
Actualmente, Maathai é Ministra assistente do Ambiente no Quénia, mas já ameaçou deixar o governo porque a corrupção continua.

Pela sua perspectiva visionária e holística, a qual combina o desenvolvimento sustentável, a democracia e a paz, Wangari Maathai viu hoje oficialmente reconhecidos os seus esforços.

Alegria no coração, alargamento de horizontes, transversalidade de acção e de objectivos: eis em Wangari Maathai uma ilustre representante da ORDEM NASCENTE!


MARIANA INVERNO, Notas Diárias à Sombra dos Tempos

07 outubro 2004

CounterCentral hit counter

T E R A P I A

NOTA: Nunca vou ao médico. Ou muito raramente.
As doenças do corpo são as doenças da alma e, como sempre preferi a
aproximação pragmática a quase todas as questões, também nesta área
eu opto por ir directamente à origem dos problemas.
Para a inquietação e todos os medos, auscultei a minha alma que me
passou a receita seguinte.




T E R A P I A

aconselho sem sombra de dúvida

mordiscar rosas-chá ao entardecer
quando o dia e a noite se entrelaçam
e se confundem para além de todos os limites

pendurar a antena da televisão
no bico mais aguçado
do deleitoso e lunar quarto crescente

nas tormentosas insofríveis
nas poluentes caóticas horas de ponta
lançar do alto do Castelo
cantantes pensamentos de amor e serenidade
sobre a desfigurada Ulyssispolis

aconselho também

sorver o ar azul da madrugada
temperado das misteriosas lágrimas
que o Cosmos derrama em silêncio
quando dormimos

furar com dedos astrais
velhas cascas encarquilhadas
de árvores milenárias
- que a seiva guarda segredos essenciais!


recomendo

tomar café no búzio musical
que a praia nos ofereceu
numa tarde em que buscávamos estar sós
com o nosso amante o mar

fazer sapateado alegre saltitante
bem ritmado e transmutador
sobre a mesa do bilhar grande
à volta da qual
não haverá mais tristes
nem mais rejeitados da Fortuna

traçar no ar com gestos-acrobatas
os enlevos dos nossos sonhos
flor sino livro chama água lira pedra flor
exibi-los em voo largo
sobre as cidades as aldeias
os povoados menores que não vêm no mapa
grandiosa campanha de chamamento
aos Adeptos do Sonho

assaltar o mostrador das horas
catar os parasitas as sanguessugas
olear as enferrujadas articulações da Máquina do Tempo
com a excelência do Soma
bate coração bate outra vez
em uníssono com os céus

tudo isto aconselho
e muito mais
que é mais do mesmo
e por isso
mais não digo


MARIANA INVERNO
Quadros: Ron Wood

03 outubro 2004

CounterCentral hit counter

ENTENDER É SEMPRE LIMITADO



Não se preocupe em "entender". Viver ultrapassa todo entendimento.
Renda-se, como eu me rendi.
Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei.
Eu sou uma pergunta.
O jogo de dados de um destino é irracional ? É impiedoso.






Não entendo. Isso é tão vasto que ultrapassa qualquer entender. Entender é sempre limitado. Mas não entender pode não ter fronteiras. Sinto que sou muito mais completa quando não entendo. Não entender, do modo como falo, é um dom. Não entender, mas não como um simples de espírito. O bom é ser inteligente e não entender. É uma benção estranha, como ter loucura sem ser doida. É um desinteresse manso, é uma doçura de burrice. Só que de vez em quando vem a inquietação: quero entender um pouco. Não demais: mas pelo menos entender que não entendo.


CLARICE LISPECTOR (1925-1977)

BlogRating