ORDEM NASCENTE

Textos poéticos e filosóficos sobre a ordem nascente
A ordem nascente é ainda elusiva e periclitante. São muitos os profetas apocalípticos que auguram o fim dos tempos, e assim alimentam o medo no ser humano, facto que não pode bem servir a humanidade. Mas há, sem dúvida, crescentes indícios, vestígios, sinais que auguram o fim de um tempo, o ruir das estruturas... MARIANA INVERNO

27 outubro 2004

CounterCentral hit counter

Dor antiga, cinema interior e impossibilidade profunda

DOR ANTIGA
Parece que ao longo da vida se repete incansavelmente a mesma antiga dor até que sejamos enfim capazes de a detectar e de lhe retirar o seu poder maléfico, ou que tenhamos instintivamente aprendido a evitar situações susceptíveis de a recriar.
É praticamente impossivel identificar as circunstâncias que estiveram na origem do seu aparecimento: elas reportam-se a um tempo a que a memória não acede. As experiências de grande impacto de que nos conseguimos lembrar são apenas e só a repetição desta dor antiga. Torna-se necessário, portanto, identificar as condições em que esta dor desperta e a reacção imediata que ela causa no nosso corpo.



TODOS TEMOS O NOSSO CINEMA INTERIOR
Por vezes, vemos atitudes de rejeição e humilhação onde elas não existem. De olhos postos no passado, cada um dispõe do seu pequeno cinema interior que projecta em todas as circunstâncias, independentemente de qualquer realidade objectiva: o cenário é-lhe muito familiar. Em primeiro lugar, é o recordar que o leva em seguida a desfiar todo um rosário de queixas e lamentações eternas. Para aquele que vive o contratempo ou a decepção como uma fatalidade, desfilam de modo quase mecânico as frases ou as cenas cuja sequência conhece perfeitamente. De “ninguém me ama” e “toda a gente está contra mim” a “sou incapaz e nunca lá chegarei” regressam, entre outras, como um leitmotiv, convicções dolorosas, quanto ao seu destino infeliz. (...)
Certas pessoas são particularmente dotadas para se contarem histórias dramáticas: munidas de uma imaginação extraordinária fazem intervir, numa encenação muito elaborada, os actores da sua vida passada e presente. Inventam um desfecho, sempre o mesmo: um desfecho que provoca uma sensação de angústia bem conhecida, a qual se lhes torna mais e mais insuportável ao repetir-se...mesmo sabendo eles que de certo modo a provocaram.

IMPOSSIBILIDADES PROFUNDAS
É por vezes mais fácil criarem-se impossibilidades externas à medida das nossas impossibilidades profundas e servirmo-nos em seguida daquelas para justificar as dificuldades em concretizar os nossos desejos. A doença pode assim servir de pretexto para nada se viver, ou pelo facto mesmo dela pôr a vida entre parênteses, remeter para mais tarde o que gostaria de se fazer...uma vez curada a doença. Correr o risco de ser feliz, não significará renunciar a todos os benefícios secundários do estado do ser em sofrimento?


retirado de)
CATHERINE BENSAID, Aime-toi, la vie t’aimera
Ed. Robert Laffont, Paris, 1992
Tradução: Mariana Inverno

Quadros: Priscilla Paula Pessoa, 1999

BlogRating