Era de esperar...
Ninguém no seu sentido perfeito poderia sequer imaginar que num processo tão decadente, obsoleto e claustrofóbico como é o da Igreja Católica, aparecesse neste momento de grande viragem da consciência, alguém de amplos horizontes a querer abraçar todo o mundo por igual, independentemente de credos ou religiões, raça ou estatuto social!
Todas as religiões foram sempre uma forma de controle, de aprisionamento das almas. Historicamente até pode ter feito sentido, mas o Tempo é outro hoje. A “receita” católica convence cada vez menos e um ser inflexível e descriminatório, ortodoxo e puramente intelectual como Ratzinger, aliás, Papa Benedito XVI, vai desempenhar pura e simplesmente um papel de superfície, firmemente colocado naquilo que nem lhe passa pela cabeça ser o processo involutivo do catolicismo, ou seja, a precipitação do fim da Igreja Católica..
Que Ratzinger é um homem profundamente culto (publicou 40 livros até hoje) e dedicado ao seu trabalho, não parece haver dúvidas, mas como eu ontem dizia a um taxista madrileno, surpreendido com a minha não aprovação da escolha, “nos tempos que correm, mais do que nunca, há que não confundir intelecto com coração”. E mbora no seu discurso haja, muitas vezes palavras de aparente conciliação e abarcância universal, será bom não esquecer o fundamentalismo deste cardeal alemão, hoje Papa, cujo léxico pessoal ostenta estandartes como os da intolerância, exclusão das mulheres de um sacerdócio que ancestralmente lhes pertenceu, negação do direito ao divórcio, recusa de rever questões como o celibato obrigatório dos sacerdotes, o direito ao aborto, o uso de anticonceptivos, a eutanásia. Este homem proclama igualmente a total condenação da homosexualidade e da sua “legalização” social através do casamento, recusou pelo menos no passado autorizar a teologia da libertação, devolvendo a liberdade de expressão aos 140 teólogos condenados nos últimos anos. Finalmente, afirma de forma peremptória que há uma Verdade Religiosa Única, a Católica Apostólica Romana que há-de salvar aqueles que a seguirem.
Este senhor tem a ousadia de, nos dias de hoje, ser capaz de pensar e afirmar publicamente coisas como esta: Cristo é totalmente diferente de todos os fundadores de outras religiões, não pode ser reduzido a um Buda, a um Sócrates ou a um Confucio. Cristo é realmente a ponte entre o céu e a terra, a luz da verdade que nos apareceu. O Dom de conhecer a Jesus não significa que não haja fragmentos de verdade noutras religiões. Na luz de Cristo, podemos instaurar um diálogo fecundo com um ponto de referência no qual podemos ver como todos estes fragmentos de verdade contribuem para o aprofundamento da nossa própria fé e para uma autêntica comunhão espiritual da humanidade.
Quase me falta o ar ao acabar de transcrever esta passagem! Mas como é possível, no século XXI, alguém, ainda que Papa de pouco mais de metade dos cristãos no mundo (cerca de mil cento e vinte milhões – todos os cristãos em conjunto perfazem dois mil cento e trinta e cinco milhões, aproximadamente), tenha a arrogância suficiente para defender posições como esta?
O defensor da ortodoxia face aos ventos de mudança que se anunciam por todos os lados conta seguramente com a sua força mental e ao que parece grande autoridade teológica para seguir, como ele diz, o caminho traçado por João Paulo II. O qual, não tenhamos ilusões, em muito pouco diferia do de Ratzinger. Mas falta a este último o calor humano e a simpática face de peregrino que eram características inquestionáveis do primeiro.
Ratzinger tem a força germânica (infelizmente de má memória) e, tal como outros no passado, pensará que através dela poderá possuir o mundo, ganhá-lo para a sua causa religiosa. Essa é, quanto a mim, a sua maior limitação.
Neste momento de rotura paradigmática com o passado, o ser humano e o seu fabuloso potencial serão, como diz Roberto Crema, a grande descoberta do séc. XXI. O ser humano vai (está a) descobrir a força divina dentro de si, a qual representará a tão almejada autonomia face aos poderes instituídos, caducos e obsoletos.
A fé para ser Fé terá de ser em si mesmo, na sua capacidade de se ligar de forma clara e pura às grandes forças cósmicas. Para isso, não há que fazer vénias a outrém nem subjugar as grandes decisões da sua vida aos supostos representantes de Deus na Terra.
Há sim que trabalhar em cada momento na consciência, no despoluir do pensamento, na descodificação dos outros reinos que acompanham o ser humano na sua ainda brevíssima passagem pelo planeta. Para isso, é também fundamental andar de mãos dadas com a ciência, mas uma ciência imbuída da religiosidade, da reverência ao todo, numa palavra da transdisciplinaridade que faltaram no passado.
A óptica é outra, e numerosos são os meios postos à nossa disposição. Que não incluem, com o devido respeito, os Ratzingers deste mundo, nem o conservadorismo, nem a aceitação passiva das fórmulas que nos procuram impingir.
Habemus Papam! E ele chama-se Joseph Ratzinger.
Era de esperar!
Vamos a ver quão rigorosa foi a profecia de Nostradamus...
MARIANA INVERNO, Notas Diárias à Sombra dos Tempos