ORDEM NASCENTE

Textos poéticos e filosóficos sobre a ordem nascente
A ordem nascente é ainda elusiva e periclitante. São muitos os profetas apocalípticos que auguram o fim dos tempos, e assim alimentam o medo no ser humano, facto que não pode bem servir a humanidade. Mas há, sem dúvida, crescentes indícios, vestígios, sinais que auguram o fim de um tempo, o ruir das estruturas... MARIANA INVERNO

11 outubro 2006

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LUZ REVELADORA

Em momentos de crise, a imaginação é mais importante que o conhecimento. ALBERT EINSTEIN

Vagueio por onde nem eu sei. Há tantos caminhos sem norte aparente, busco-me na experiência da resposta ao grito lancinante da gaivota perdida no azul da madrugada.

Se tudo for obscuro, tudo negritude, não há que enganar. Só a entrada, ainda que ténue, da luz, esboçará contornos, imprecisos e irreais a princípio para, pouco a pouco, gerar a forma que me espera.

De onde vens forma, energia, impacto novo, a que vens, o que trazes, por que me esperaste para além da luz…

O que me reservas em mim, a que descoberta pessoal me conduzes, que lágrimas, secretos tormentos e inexplorados passos pressentiste no meu ser caminhante sem que eu percebesse que o teu silencioso respirar me anunciava mais um pouco do que está para ser revelado…

Cruzam-se em mim o velho e o novo, numa plataforma surrealista, trágico-cómica. Busco um sentido, um caminho, som ou forma reconfortantes, algo que me lembre o que esqueci sem querer.

A chegada da luz, ainda que subtil e esparsa como uma névoa tímida, desperta acordes novos, não identificados e remete-me para um sonho despontante, ainda em construção. A luz dá-me o mote, acaricia-me o interior dos olhos, penetrada a pele e o coração da sua qualidade iluminante.

Avanço, sem medo, com medo, sou talvez mais eu quando pouso enfim o olhar no que buscava sem saber. Choro então as lágrimas do reconhecimento e danço grata nas estrias da luminosa energia…


MARIANA INVERNO, Textos da Travessia

24 abril 2006

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Mente e Consciência Universal

Reconcilia-te com o estado de ”não saber”. Isto leva-te para além da mente porque a mente está sempre a tentar concluir e interpretar. Ela receia não saber. Assim, quando puderes reconciliar-te com o não saber, já terás ido mais além da mente. Um saber não conceptual e mais profundo emerge então desse estado.


A criação artística, o desporto, o ensino, o aconselhamento – a mestria em qualquer área de esforço implica que a mente pensante já não esta envolvida ou que, pelo menos, tomou um lugar secundário. Um poder e uma inteligência maiores do que tu e contudo em total sintonia contigo entram em acção. O processo de decisão deixa de ter lugar; a acção espontânea apropriada tem lugar e não és “tu” quem a leva a cabo. A mestria da vida é o oposto do controle. Alinhas-te com uma consciência maior. Ela actua, fala, faz a obra.


ECKHART TOLLE, Sillness Speaks
Hodder and Stoughton, Londres, 2003

Tradução: M.Inverno

21 abril 2006

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O MUNDO É DE QUEM NÃO SENTE

O mundo é de quem não sente. A condição essencial para se ser um homem prático é a ausência de sensibilidade. A qualidade principal na prática da vida é aquela qualidade que conduz à acção, isto é, a vontade. Ora há duas coisas que estorvam a acção - a sensibilidade e o pensamento analítico, que não é, afinal, mais que o pensamento com sensibilidade. Toda a acção é, por sua natureza, a projecção da personalidade sobre o mundo externo, e como o mundo externo é em grande e principal parte composto por entes humanos, segue que essa projecção da personalidade é essencialmente o atravessarmo-nos no caminho alheio, o estorvar, ferir e esmagar os outros, conforme o nosso modo de agir.


Para agir é, pois, preciso que nos não figuremos com facilidade as personalidades alheias, as suas dores e alegrias. Quem simpatiza pára. O homem de acção considera o mundo externo como composto exclusivamente de matéria inerte - ou inerte em si mesma, como uma pedra sobre que passa ou que afasta do caminho; ou inerte como um ente humano que, porque não lhe pôde resistir, tanto faz que fosse homem como pedra, pois, como à pedra, ou se afastou ou se passou por cima.


FERNANDO PESSOA, O Livro do Desassossego

19 abril 2006

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HELENA BALSA (1945-2006)



Conheci-a pouco, mal e brevemente. Aconteceu no que veio a ser o último período da sua vida, já doente. Mas de pé, a trabalhar, sem qualquer queixa.
Entrevistou-me e à pintora Felippa Lobato para o seu programa do Canal Memória. Na ilustre companhia de um documentário sobre Vieira da Silva e Arpad Szènes.

Recordo os seus olhos claros e o tom de voz determinado. Depois da entrevista e de ter tomado conhecimento da ideologia do PROJECTO, tentou incansavelmente convencer-me de que eu deveria ter um programa na televisão dedicado a este tema da ORDEM NASCENTE. Deu-me ideias, falou com pessoas, estimulou-me.
Durante um período, telefonava-me com frequência e fazia-me sentir que acreditava na minha capacidade para fazer alguma coisa neste domínio do novo, do que está a emergir. A sua saúde já declinava perigosamente, mas teimava num dia a dia de labor, sem queixumes. Encontrou espaço dentro de si para apoiar aquilo que em mim a parecia inspirar, deixou que a esperança para a vida e os sonhos de outrem respirassem através da sua voz, quando sabia que a ela a vida lhe fugia a passos largos.

Apertou-se-me um pouco o coração quando o locutor anunciou ontem a morte da Helena, no telejornal da noite. Vamos já sabendo umas coisas, mas o fim prematuro da vida física acaba sempre por nos tocar de modo chocante.
Desta vez, foi a Helena.
Passámos pela vida uma da outra momentaneamente, mal nos conhecemos. Dela só poderei recordar a luz do seu olhar, a entrevista serenamente conduzida e o seu inesperado empenho em que eu obtivesse um braço instrumental de grande envergadura para o PROJECTO Art for All, sob a forma de programa televisivo.


Guardarei com carinho essa memória, como uma flor branca e perfumada que nunca haverá de murchar.

Dorme em paz, irmã!


MARIANA INVERNO, Notas Diárias à Sombra dos Tempos

15 abril 2006

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EVANGELHO SEGUNDO JUDAS é apresentado ao público

da France Presse, em Washington


Após ter estado desaparecida por 1.700 anos, a única cópia conhecida do Evangelho Segundo Judas, autenticada e apresentada pela primeira vez ao público nesta quinta-feira, lança uma nova luz sobre o apóstolo que supostamente traiu Jesus vendendo-o aos romanos.

O manuscrito de 26 páginas em papiro, escrito em dialecto copta, foi apresentado pela revista americanaNational Geographic, na capital americana. O documento, cópia de uma versão mais antiga redigida em grego, foi autenticado como sendo do século III ou IV.

Ao contrário da versão dos quatro Evangelhos oficiais, o texto em questão indica que Judas era um iniciado que traiu Jesus a pedido dele próprio, e para a redenção da Humanidade.

A principal passagem do documento é atribuída a Jesus, que diz a Judas: "Tu superarás todos eles. Tu sacrificarás o homem que me cobriu." Segundo exegetas, a frase significa que Judas ajudará a libertar o espírito de Jesus de seu invólucro carnal.

Essa descoberta espectacular de um texto antigo, não bíblico, é considerada por especialistas uma das mais importantes actualizações dos últimos 60 anos no que se refere ao nosso conhecimento sobre a História e a diferentes opiniões teológicas sobre o começo da era cristã", disse Terry Garcia, vice-presidente-executivo da revista americana.

A existência desse Evangelho foi comprovada por Santo Irineu, primeiro bispo de Lyon, que o denunciou num texto contra as heresias em meados do século II.

"A descoberta surpreendente do Evangelho de Judas afecta a nossa compreensão sobre o início do cristianismo", disse Elaine Pagels, professora de religião da Universidade de Princeton e uma das grandes especialistas mundiais em Evangelhos. "Essa descoberta derruba o mito de uma religião monolítica, e mostra o quão diverso e fascinante era o movimento cristão no seu começo", assinalou.


Acredita-se que o manuscrito, encadernado em couro, tenha sido copiado por volta do ano 300 d.C.. Ele foi descoberto na década de 1970, no deserto egípcio de El Minya. Circulou entre vendedores de antiguidades, até chegar à Europa e, depois, aos Estados Unidos, onde permaneceu no cofre de um banco de Long Island durante 16 anos, até ser novamente comprado no ano 2000, pelo antiquário suíço Frieda Nussberger-Tchacos.

Preocupado com sua possível deterioração, o antiquário entregou o manuscrito à fundação suíça Maecenas Foundation for Ancient Art em Fevereiro de 2001, a fim de preservá-lo e traduzi-lo.

Após a restauração do documento, o trabalho de análise e tradução foi confiado a uma equipe dirigida pelo professor Rudolf Kasser, aposentado pela Universidade de Genebra. O documento será mantido agora num museu do Cairo.

Na sua edição de Maio, a National Geographic dedica um longo artigo à descoberta. Amanhã, a revista irá inaugurar uma exposição na sua sede, onde o público poderá apreciar algumas páginas do manuscrito. Em colaboração com a fundação Maecenas, a revista também apresentará nos Estados Unidos um documentário de duas horas sobre o assunto, noseu canal de TV cabo.
O documento foi traduzido para inglês, alemão e francês.

13 abril 2006

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DEUSA EASTRE – O aspecto da Mãe Divina que habita a Páscoa

Como quase todas as datas festivas no calendário cristão, a Páscoa que passou a ser uma celebração santa no século II, assenta num festival pagão através do qual os antigos Saxões festejavam EASTRE, a deusa da Fertilidade e da Primavera.
Os missionários cristãos encontraram as celebrações pagãs das tribos do norte e, lentamente e de forma tácita foram justapondo às mesmas as cristãs, neste caso a Ressurreição de Cristo.
Inicialmente, a Páscoa celebrava-se em diferentes dias da semana, incluindo sexta, sábado e domingo. A partir do ano de 325, o Concílio de Niceia, sob o Imperador Cosntantino, decretou que a Páscoa passaria a ser celebrada no primeiro Domingo depois da primeira lua cheia no ou depois do equinócio.



Seja como fôr e independentemente das crenças de cada um, este é um período energéticamente poderoso, por todas as celebrações a ele associado. Que todos consigamos, a nosso modo, sentir e viver esse poder!


Acima: a deusa celta Sheela Nig
A direita: a deusa Eastre, colagem de Dorothy Hardy

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O Valor da Ingenuidade

O maior perigo que corre o ingénuo: o de querer ser esperto. Tão ingénuo que cuida, coitado, de que alguma vez no mundo o conhecimento valeu mais do que a ingenuidade de cada um. A ingenuidade é o legítimo segredo de cada qual, é a sua verdadeira idade, é o seu próprio sentimento livre, é a alma do nosso corpo, é a própria luz de toda a nossa resistência moral.
Mas os ingénuos são os primeiros que ignoram a força criadora da ingenuidade, e na ânsia de crescer compram vantagens imediatas ao preço da sua própria ingenuidade.
Raríssimos foram e são os ingénuos que se comprometeram um dia para consigo próprios a não competir neste mundo senão consigo mesmos. A grande maioria dos ingénuos desanima logo de entrada e prefere tricher no jogo de honra, do mérito e do valor. São eles as próprias vítimas de si mesmos, os suicidas dos seus legítimos poetas, os grotescos espanatalhos da sua própria esperteza saloia.


Bem haja o povo que encontrou para o seu idioma esta denunciante expressão da pessoa que é vítima de si mesma: a esperteza saloia. A esperteza saloia representa bem a lição que sofre aquele que não confiou afinal em si mesmo, que desconfiou de si próprio, que se permitiu servir de malícia, a qual como toda a espécie de malícia não perdoa exactamente ao próprio que a foi buscar. Em português a malícia diz-se exactamente por estas palavras: esperteza saloia.

Parecendo tão insignificante, a malícia contudo fere a individualidade humana no mais profundo da integridade do próprio que a usa, porque o distrai da dignidade e da atenção que ele se deve a si mesmo, distrai-o do seu próprio caso pessoal, da sua simpatia ou repulsa, da sua bondade ou da sua maldade, legítimas ambas no seu segredo emocional.
Porque na ingenuidade tudo é de ordem emocional. Tudo. O que não acontece com as outras espécies de conhecimento onde tudo é de ordem intelectual. Na ordem intelectual é possível reatar um caminho que se rompeu. Na ordem emocional, uma vez roto o caminho, já nunca mais se encontrará sequer aquela ponta por onde se rompeu.
O conhecimento é exclusivamente de ordem emocional, embora também lhe sirvam todas as pontas da meada intelectual.



ALMADA NEGREIROS, Ensaios
ILUSTRAÇÕES: Luon St Pierre e Liz Vaughn

11 abril 2006

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A IMORTALIDADE


Ser imortal é coisa sem importância. Excepto o homem, todas as criaturas o são, porque ignoram a morte. O divino, o terrível, o incompreensível, é considerar-se imortal. Já notei que, embora desagrade às religiões, essa convicção é raríssima. Israelitas, cristãos e muçulmanos professam a imortalidade, mas a veneração que dedicam ao primeiro século prova que apenas crêem nele, e destinam todos os outros, em número infinito, para o premiar ou para o castigar.
Mais razoável me parece o círculo descrito por certas religiões do Indostão. Nesse círculo, que não tem princípio nem fim, cada vida é uma consequência da anterior e engendra a seguinte, mas nenhuma determina o conjunto... Doutrinada por um exercício de séculos, a república dos homens imortais tinha conseguido a perfeição da tolerância e quase do desdém. Sabia que num prazo infinito ocorrem a qualquer homem todas as coisas. Pelas suas passadas ou futuras virtudes, qualquer homem é credor de toda a bondade, mas também de toda a traição pelas suas infâmias do passado ou do futuro. Assim como nos jogos de azar as cifras pares e ímpares permitem o equilíbrio, assim também se anulam e se corrigem o engenho e a estupidez.

(...) Ninguém é alguém, um único homem imortal é todos os outros homens. Como Cornelio Agrippa, sou deus, sou herói, sou filósofo, sou demónio e sou o mundo, o que é uma forma cansativa de dizer que não sou.
(...) A morte (ou a sua alusão) torna os homens delicados e patéticos. Estes comovem-se pela sua condição de fantasmas. Cada acto que executam pode ser o último. Não há um rosto que não esteja por se desfigurar como o rosto de um sonho. Tudo, entre os mortais, tem o valor do irrecuperável e do perdido. Entre os Imortais, pelo contrário, cada acto (e cada pensamento) é o eco de outros que no passado o antecederam, sem princípio visível, ou o claro presságio de outros que, no futuro, o repetirão até à vertigem. Não há coisa que não esteja perdida entre infatigáveis espelhos. Nada pode ocorrer uma só vez, nada é primorosamente gratuito. O elegíaco, o grave, o cerimonial, não contam para os Imortais. Homero e eu separamo-nos nas portas de Tânger. Creio que não nos despedimos.


JORGE LUÍS BORGES, O Imortal

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