ORDEM NASCENTE

Textos poéticos e filosóficos sobre a ordem nascente
A ordem nascente é ainda elusiva e periclitante. São muitos os profetas apocalípticos que auguram o fim dos tempos, e assim alimentam o medo no ser humano, facto que não pode bem servir a humanidade. Mas há, sem dúvida, crescentes indícios, vestígios, sinais que auguram o fim de um tempo, o ruir das estruturas... MARIANA INVERNO

22 agosto 2004

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AMOR INCONDICIONAL, TRAIÇÃO E OUTRAS HISTÓRIAS

Mais valera à tua alma visionária,
Silenciosa e triste ter passado
Por entre o mundo hostil e a turba vária,

(Sem ver uma só flor das mil, que amaste,)
Com ódio e raiva e dor - que ter sonhado
Os sonhos ideais que tu sonhaste!» -


ANTERO DE QUENTAL
Às vezes temos de fazer aprendizagens quase forçadas, desenliar os nós, expor as partes tenras à intempérie, retirando da cena, o q.b., o amor infinito que brota do nosso coração. Singularmente, é para mim o que há de mais difícil neste mundo. Tal como alguém meu amigo costuma dizer, É muito mais difícil identificar o mal (o erro) no bem do que olhar de frente o que é obviamente mau ou errado.
Tenho passado momentos difíceis nestas andanças. Ao que parece, trago de outras vidas a memória inconsciente da traição e do amor incondicional (que tudo abarca: compaixão, dádiva, cumplicidade, partilha de meios, perdão). Se a prática deste último me tem trazido a alegria de ver o outro sorrir, sarar certas feridas e dar passos impossíveis de realizar sem esse apoio, por outro lado tem-me ocasionalmente conduzido a situações de grande sofrimento pessoal onde a grandeza do sentimento que professo e que está subjacente às minhas acções nem sempre se vê honrado pela conduta do outro. Pelo contrário, entre outras coisas, é-me ocasionalmente devolvido um retrato pouco lisonjeador de mim própria, como se a minha intensidade e franqueza fossem calhaus pouco convenientes e indesejáveis no caminho do outro. E, se calhar, até são! Se calhar, este impulso irreprimível de dar sempre uma ajuda, remendar o que está roto, dar, dividir, partilhar, considerar que nada em verdade me pertence e que não passo de um canal para a redistribuição, é aparentado do sindroma de salvatore mundi, da intervenção divina, do “Pai de todos”. Se calhar, é a minha grande patologia!
Tem sido através de muitas lágrimas que venho chegando a este ponto. Pois como sou altamente vulnerável à energia da traição, acabo, ao nível do sentir, por confundir a ingratidão, a falta de amor do outro ou simplesmente a sua própria patologia com o ser atraiçoada.

Enfim, estas são apenas notas. Meio inseguras. Questionáveis. À sombra de mim mesma.

MARIANA INVERNO, Notas Diárias à Sombra dos Tempos

Quadro: Joana Tavares.

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