Os Novos Escravos Humanos
Cada vez se torna mais claro para mim e para quem quiser ver que as sociedades vivem um processo rápido de declínio e não se apresentam muitas saídas.
Aqui estou de novo nesta Londres onde sempre me senti em casa e, de viagem para viagem, noto a cavalgante diferença. Em tudo: na aparência das pessoas, nos seus gostos, maneiras, forma de articular o pensamento, estilo de vida, motivações, et cetera.
Tristemente, sinto-me confrontada com multidões de seres humanos robotizados, imersos na corrida diária que lhes garanta a remuneração que vai pagar a casa, o carro, o restaurante, os cartões de crédito… Muita fealdade e descuido físicos, pouca capacidade de concentração no que quer que seja. Tudo se passa muito depressa, a desatenção ao que está para além da aparência e do imediato generalizou-se. É óbvia a programação (de fora para dentro), a falta de autonomia interior, a incapacidade de questionar o sem propósito de vidas que, dirigidas e manipuladas por uma ordem que não respeita a interioridade de cada um e que, utilizando o mais poderoso de todos os factores manipulatórios, o medo, aperta mais e mais o cerco em redor dos seres alienados em que nos tornámos. Tornámo-nos nestes seres que evadem tudo quanto os possa confrontar consigo mesmos e que buscam, desenfreadamente, um feelgood feeling qualquer que, em geral, acham que só lhes pode vir de uma das três coisas seguintes: o sexo (pelo sexo), o álcool (e/ou outras drogas) ou um consumismo desenfreado. Como não há preocupações nem trabalho com a subjectividade interior, como não se cultivou o discernimento nem ninguém está para esforços que não encaixem na programação recebida, estes seres humanos papam todos contentes a miserável cadeia de ídolos de pau carunchoso que a sociedade lhes impinge, nomeadamente através dos maquiavélicos media.
Qualquer um serve, desde que os jornais e a televisão lhes dêem tempo de antena, desde que movimentem directa ou indirectamente milhões de uma moeda forte e dêem escândalo e se permitam uma exposição continuada da sua vida ao voyeurismo das massas.
A res americana, baseada na pressão contínua até à exaustão e numa óptica de vida que profundamente atraiçoa os direitos fundamentais de todo o ser humano, tem vindo a espalhar os seus tentáculos por todo o planeta. Quase toda a gente vive em escravatura, de um tipo ou doutro. Pois o sinal mais preocupante e que melhor denuncia essa influência na natureza decadente dos nossos tempos reside no facto da maioria das pessoas acreditar que a sua libertação está intimamente ligada com a posse de muito dinheiro.
Ora o dinheiro em si mesmo não tem qualquer conotação. É talvez a matéria mais camaleónica que existe, pois qualifica-se através da intenção de quem o manipula e, dado o poder que representa, requer para bons resultados uma grande sabedoria, humanismo e consciência social por parte do utilizador. Estas são virtudes que não se desenvolvem na falta de autonomia interior em que as pessoas vivem e na completa falta de conexão com a sua interioridade.
Parece, neste cenário quase apocalíptico, não haver esperança. Discordo.
Os opressores esqueceram-se do mais valioso instrumento de que o espírito humano dispõe: a criatividade. Essa capacidade de juntar em combinações novas e únicas os dados a que a nossa consciência tem acesso é o caminho para fora da programação que nos é imposta. A criatividade questiona o conhecido e o provado, arrisca novos traçados, faz irromper o canto desconhecido. Ergue-se, esguia e dançante, a espreitar a vida por um novo ângulo nunca antes considerado. Infinita, inesgotável e userfriendly, recomendo a sua utilização diária, nos mais pequenos gestos.
Pela liberdade do ser humano autónomo, autêntico, pela alegria da vida plena!
A bem de um mundo melhor!
MARIANA INVERNO, Notas Diárias à Sombra dos Tempos
2 Comments:
Um rago de lucidez salutar que nos dá esperança no nascer de uma nova consciência...
Obrigada pela tua visão clara e por a partilhares connosco...
R.Leonor
Obrigado a ti, querida amiga, sempre tão atenta às minhas “escrevinhadelas”.
Creio que a chave de tudo está na criatividade pois ela “questiona o conhecido e o provado, arrisca novos traçados, faz irromper o canto desconhecido. Ergue-se, esguia e dançante, a espreitar a vida por um novo ângulo nunca antes considerado. Infinita, inesgotável e userfriendly…”
Todos quantos embarcam em algo novo, sabem bem o que quero dizer.
Felicidades para os teus projectos.
Mariana
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